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João César Monteiro - Córtex

À conversa com José Chaíça: «João César Monteiro estará certamente connosco»

A quarta edição do Festival Córtex, festival de curtas metragens de Sintra, tem início no próximo dia 10 de outubro com uma mostra de curtas-metragens do cineasta João César Monteiro. De forma a assinalar os 10 anos do falecimento cineasta português, são exibidas, no Centro Cultural Olga Cadaval, nove curtas metragens de João César Monteiro, uma exposição de fotografias de rodagem e um debate com colaboradores do cineasta, presentes no seu percurso criativo.

Entre os dias 11 e 13 deste mês são também exibidas 17 curtas metragens de autores nacionais, inseridas na Competição Nacional, e 6 obras de autores internacionais. O Espalha-Factos conversou com José Chaíça, assistente de produção da companhia de teatro Reflexo e um dos organizadores do evento, para saber mais sobre a mostra de abertura em homenagem a João César Monteiro, a escolha das curtas metragens e o que o público pode esperar desta quarta edição do Córtex:

Em primeiro lugar, como e onde surgiu a ideia para homenagear o cineasta João César Monteiro nesta nova edição do Córtex?

A escolha pareceu-nos bastante óbvia. Este ano assinalam-se os 10 anos da morte do cineasta, daí esta ser uma oportunidade perfeita para manter o João César Monteiro vivo no panorama do cinema português. Depois de percebermos que nunca tinha sido feita uma mostra com todas as curtas do realizador, a ideia desta homenagem pareceu-nos não apenas óbvia mas perfeita, com um timing brilhante. Foi realizada uma extrema pesquisa de fundo pela Ana Isabel Strindberg, que é responsável pela organização desta mostra retrospetiva, que teve um árduo trabalho para conseguir localizar as cópias destes filmes que são autênticas raridades, património nacional, que infelizmente não anda a ser tratado com o cuidado com que devia. Foi muito difícil localizar as cópias e quase fomos obrigados a desistir desta ideia. No dia 10 de outubro, vamos exibir as nove curtas metragens do João César Monteiro, realizadas entre 1969 e meados dos anos 90, na sua grande maioria serão projetadas em 35mm. Planeámos também convidar personalidades que estiveram envolvidas diretamente com o trabalho do realizador, para partilharem num debate aberto as suas experiências, assim como jovens realizadores influenciados pela sua obra. O público também terá a oportunidade de ver uma exposição com várias fotografias de João César Monteiro, autênticas preciosidades cedidas pela Cinemateca.

Como foi elaborada a lista de trabalhos cinematográficos a serem exibidos durante os três dias de festival? Existia algum trabalho que merecia ser exibido e teve de ser colocado de lado?

O facto de não exigirmos estreias, o que é raríssimo acontecer num festival de cinema, cria uma série de oportunidades na escolha dos filmes. Procuramos selecionar os filmes mais emblemáticos dos dois últimos anos, podendo realizar assim uma mostra de alguns dos melhores trabalhos, do circuito nacional e internacional. Outro dos critérios que caracteriza a nossa programação é ter em consideração o público, tentamos sempre oferecer uma programação eclética, com filmes que cumpram o objetivo de ecoar em cada uma das pessoas na sala. Filmes que tenham algo a dizer e que se saibam fazer compreender, o que muitas vezes não acontece no mundo as curtas metragens pelo excesso de experimentalismo. Os géneros que temos em competição vão desde a animação à ficção, passando pelo documentário e experimental. Existem sempre filmes que nos custam deixar de lado, o que é muito bom sinal, a escolha nunca é fácil.

O que de melhor mostram as curtas metragens portuguesas ao público? Pode dar-me uma palavra que melhor carateriza os mais de 15 trabalhos selecionados para a quarta edição do Córtex?

As curtas portuguesas têm vindo a galopar ano após ano no que diz respeito à diversidade e qualidade. Sinto que ultimamente os realizadores têm arriscado mais no que diz respeito à narrativa e já começam a perder o medo de contarem histórias. A curta durante muito tempo era o formato privilegiado do experimentalismo, hoje em dia já podemos ver objetos mais definidos na sua intenção e mensagem. Os filmes portugueses, na minha opinião, tendem a comunicar cada vez melhor com o público. Numa palavra o que melhor caracteriza a competição nacional: Diversidade.

Como foi elaborada a seleção dos trabalhos internacionais? O que os distingue dos nacionais, se é que distingue?

Tenho tido a oportunidade de referir noutras entrevistas, que ficámos abismados com a quantidade de filmes que recebemos de todas as partes do mundo. Este ano o volume de filmes internacionais que recebemos triplicou. É com grande satisfação que percebemos a força que o Córtex já tem além fronteiras, tendo uma voz própria a nível internacional que se reflete no grande interesse manifesto de participação de vários realizadores e produtoras internacionais. O público recebe muito bem a curta-metragem internacional, dado que tem características diferentes dos trabalhos produzidos em Portugal, o que suscita muito interesse. A maior diferença que denoto entre os trabalhos nacionais e internacionais tem a ver sobretudo com questões financeiras. São óbvias as diferenças a nível técnico entre os filmes, lá está, porque há mais dinheiro e investimento nos outros países. Por exemplo, chegaram-nos mais de 30 filmes de uma escola de cinema de Madrid, em que a qualidade técnica é absolutamente irrepreensível, ao nível dos filmes de grandes indústrias cinematográficas, com produções elaboradíssimas. Outra diferença tem a ver com os guiões, os filmes internacionais arriscam mais na narrativa, algo que como já referi, parece estar a evoluir em Portugal. Mas creio que precisamos de mais guionistas, novas ideias e boas histórias. Aos poucos isso começa a acontecer aqui também. Mas mais uma vez reforço, para se poder contar determinada história também é preciso existirem os meios (verbas) e acredito que muito boas ideias têm sido postas na gaveta por não existirem esses meios em Portugal.

Espera uma maior afluência de público nesta edição em comparação com as anteriores? Já há um público fiel ao festival, que comparece a todas as edições?

Sim, o nosso objectivo é ter sempre cada vez mais público e sentimos que o Córtex está cada vez mais sedimentado. Temos muitos sintrenses que são público fiel, mas também vem muita gente de Lisboa, embora seja mais complicado para quem não tem transporte próprio. O Festival tem crescido de ano para ano e esperemos que assim se mantenha por muitos anos.

Se lhe pedir para pensar na organização do Córtex qual é o primeiro acontecimento que lhe vêm à memória? Há algum acontecimento curioso ou mais caricato? 

O primeiro acontecimento que me vem à memória é a realização do primeiro Córtex, que começa quase como que uma brincadeira. O Córtex é produzido pela Reflexo – Associação Cultural e Teatral que tinha um pequeno espaço cultural em Sintra, e um dia resolvi mandar para o ar: “e que tal fazermos um festival de curtas-metragens?”. Passados três meses, tínhamos um pequeno projetor oferecido pela Junta de Santa Maria e São Miguel e o Córtex acontecia numa pequena sala alternativa, com 30 cadeiras e 20 pessoas sentadas no chão, uma pequena tela e um projetor montado sobre uma mesa do IKEA, ligado a um DVD. E assim começa o primeiro Córtex, o que recordo com muito carinho, e não deixa de ser caricato pensar, que algo que teve um parto tão humilde pudesse ter crescido tanto em tão pouco tempo.

O que pode esperar o público da quarta edição do festival?

Antes de mais nada pode esperar a continuidade daquilo que temos vindo a oferecer, que é uma seleção cuidada de bons filmes. Pode esperar um festival, jovem e animado embora modesto. Pode ainda ter a oportunidade única de ver pela primeira vez uma sessão de cinema onde todas as curtas-metragens do João César Monteiro serão exibidas. Quem estiver presente testemunhará um momento histórico do cinema em Portugal. E espero também que o debate que vai acontecer acerca do seu trabalho a seguir à exibição, possa ser algo de único e muito especial, uma noite em que o João César Monteiro estará certamente connosco.

Fotografia de José Chaíça por Ana Teles Teixeira