Mago da folk instrumental e autêntico virtuoso da guitarra, Norberto Lobo tem vindo a construir, ao longo dos últimos seis anos, uma das mais consistentes carreiras da música nacional, alicerçada pelos magníficos Mudar de Bina (2007), Pata Lenta (2009), Fala Mansa (2011) e Mel Azul (2012). Agora, após o reconhecimento a título individual, o guitarrista decidiu juntar-se ao baterista João Lobo, colaborador de longa data (a homonímia é mera coincidência), para criar, a quatro mãos, um novo disco; de seu título Mogul de Jade, a obra foi lançada pela Mbari Música a 19 de Julho.
Para quem não está familiarizado com a obra de Norberto Lobo, creio que serve de introdução dizer apenas que estamos perante aquele que é, a par de Filho da Mãe e Tó Trips (uma das duas metades dos Dead Combo), um dos melhores guitarristas que a música portuguesa “pariu” nas últimas décadas. Conhecido pela forma como consegue evocar, com as suas peças instrumentais, verdadeiras cenas cinematográficas e paisagens longínquas, Norberto Lobo tem vindo a criar, nos seus LP’s, obras-primas de extraordinária beleza.
Por isso mesmo, não é de estranhar que tenha ficado bastante entusiasmado ao saber, há uns tempos, que já estava na forja mais um registo, desta vez feito a meias com João Lobo, jovem e talentoso baterista que muita tinta tem feito correr no seio dos entusiastas do jazz, género de onde provem. E a verdade é que, após várias e repetidas audições, Mogul de Jade, o resultado discográfico dessa colaboração, não só não desilude como também se revela como um dos grandes álbuns nacionais deste ano.
À primeira audição, Mogul de Jade demonstra ser, musicalmente falando, uma espécie de elo perdido entre Fala Mansa e Mel Azul, misturando a postura cerebralmente experimental do primeiro com as amenas melodias do segundo. A evocação à folk de John Fahey, consciente ou não, continua bastante presente na obra de Norberto Lobo, e isso é algo que se sente à medida que a guitarra vai guinando de um lado para o outro, entre os hipnotizantes e bucólicos “novelos” de notas e os repentinos e violentos ataques às cordas.
O grande trunfo de Mogul de Jade está, contudo, nas novidades que este registo traz à sonoridade de Norberto Lobo, a começar na percussão de João Lobo. Apresentando-se de forma relativamente esparsa e comedida, (felizmente) sem azo para grandes demonstrações de virtuosismo oco, o trabalho do baterista complementa de forma magistral o som do guitarrista, preenchendo os espaços deixados pelas notas de Norberto e criando novas dinâmicas e ambiências, mais amplas e volumosas.
Outra das rupturas que Mogul de Jade nos traz encontra-se na estética, conseguida através da gravação e mistura de Eduardo Vinhas e Pedro Magalhães (num belíssimo trabalho feito no já mítico Golden Pony Studio), e que se apresenta aqui duma forma muito pouco polida, quase lo-fi, realçando a crueza e a visceralidade das peças de Norberto Lobo. Aliado a isso, o uso relativamente extenso da guitarra eléctrica e a adição, pontual, de vocais em algumas peças dão a Mogul de Jade um toque de frescura e conferem-lhe um brilho especial, dificilmente ofuscado pelas pouquíssimas falhas do registo, que se cingem sobretudo pela quebra de qualidade em alguns momentos menos conseguidos.
Quanto a faixas individuais, o destaque negativo vai apenas para Rustenburger Str, peça que já havia figurado em Mel Azul e que aparece aqui numa versão acrescida de bateria mas que, apesar das diferenças de “cosmética”, continua sem me despertar paixões. Pela positiva, aponto a avassaladora Himmelstorm, a belíssima Musgo na Voz, a rústica Bragança e a plácida Quinta do Rio como os melhores temas deste Mogul de Jade.
Em suma, Mogul de Jade apresenta-se como um belíssimo conjunto de 8 faixas que vai balançando, sublimemente, entre a audácia do experimentalismo e a doçura da melodia, num casamento perfeito entre a bateria inteligente de João Lobo e a guitarra imaginativa de Norberto Lobo. Para além disso, com este registo Norberto junta novas tonalidades sonoras e nuances à sua palete musical, num gesto que reitera o seu gosto pela reinvenção e que reafirma, com a ajuda de João Lobo, o seu estatuto enquanto nome maior da música exploratória nacional. Resta-me apenas desejar que desta união saiam mais discos, tão brilhantes e preciosos quanto este Mogul de Jade.
Nota final: 8.3/10
*Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945