O ano de 2012 foi especialmente exaustivo para Ty Segall: três álbuns (um a solo, um com banda de apoio e outro com o músico White Fence, baptizado Timothy Presley), uma digressão pelos Estados Unidos e outra pela Europa (que, lamentavelmente, não passou pelo nosso país). Já no início de 2013, Ty voltou a tocar em várias cidades norte-americanas. Talvez tenha sido por isso o álbum que sucede a Twins tenha demorado “tanto” (um artista tão profícuo habitua mal os seus fãs) a chegar e, dirão os mais incautos, tenha esta sonoridade tão simples, guitarra acúsitca, voz e pouco mais. Porém, e a somar à agenda ocupada de Ty, este álbum parece fortemente marcado pela morte do seu pai e o afastamento da sua mãe, o que nos impede de tecer sentenças precipitadas sobre se este álbum é ou não o sucessor que Twins mereceria.
Há uns meses, começou a circular na internet um vídeo promocional de Sleeper que mostrava, completamente em acordo com o nome do álbum, Ty Segall a dormir: na cama, no sofá, no jardim, numa árvore (em pose de cadáver num caixão) e ao volante de uma carrinha. Retira-se daí o necessário e talvez até o exagero da interpretação: Segall cede ao luto e não tem muito interesse em estar acordado, um estado decadentista e hostil que define os estilos lírico e melódico do disco.
Segall trabalha a reviravolta emocional que vive virando-se para a guitarra acústica – as suas letras mais introspectivas escondiam-se, muitas vezes, por trás do som forte, arranhado e distorcido que se tornou o seu estilo. A única vez que vimos Ty Segall adoptar um registo parecido foi em 2011, no álbum Goodbye Bread, que num tom grave e lento (quase de stoner rock) deambula para rebentar só à sexta faixa. Sleeper só vê aparecer a guitarra eléctrica aos doze minutos e tal, em The Man Man, canção que, um pouco como todo o álbum, parece a versão unplugged dela mesma.
As primeiras canções do disco apresentam-se notoriamente enlutadas, com progressões de acordes bastante soturnas (a que se acrescenta, na faixa que abre e dá o nome ao álbum, um violoncelo lúgubre e tímido) e a voz derrotada de Segall, que se encontra numa mistura entre um Mellow Gold de Beck, The Madcap Laughs do Syd Barrett ou um Bringing It All Back Home de Dylan – o som melancólico da harmónica é substituído por um assobio sentencioso que se arrasta para o fade off, em The Keepers, a melhor canção do álbum, a partir da qual é preciso viajar até ao In the Aeroplane Over the Sea dos Neutral Milk Hotel para lhe encontrar um par.
Prova de que este álbum marca um momento na vida de Segall é a canção Crazy, onde ele parece dirigir-se à irmã, para junto da qual foi viver após perder o pai e a mãe cortar relações com ele, que versa “You, little one / You got your hand over your heart / Take away your hand / Give your heart a brand new start / ‘Cause he’s here, he’s still here / Though she is crazy“. Várias canções parecem ter um remetente preciso, com confissões cuidadosamente vagas, um sinal de que Segall sabe fazer contas à vida.
Nalgumas canções há um cheiro a folk, a lembrar o início da Ramble On, dos Led Zeppelin, ou a Hotel Yorba, dos The White Stripes, que Ty Segall carimba com o seu lo-fi de gravação de casa-de-banho e as letras desconexas que deixam o ouvinte desassossegado, acordes rasgados numa barreira de feedback em fade in demorado, quebras de voz à You and Whose Army? que chegam a fazer-nos ter dó do rapaz.
The West, que termina o álbum com um sabor country e que aparece em contra-mão ao resto do álbum pela sua melodia alegre, em que Ty canta “Where do I go home? / Is it in the west, to my father’s house?“, parece dizer que esta foi a primeira e a última obra dedicada a este momento da sua vida, como se pudéssemos ver um carro a atravessar o deserto americano ao som desta canção, em direcção ao pôr-do-sol, enquanto os créditos começam a rolar.
Não há “garage-fuzz-psych-punk-rock-folk-grunge-revival” para ninguém – há 30 segundos de guitarra eléctrica, se tanto – mas há um dos artistas mais talentosos da nossa geração a despejar o coração em más gravações com guitarras (desconfio) levemente desafinadas, solos improvisados e vozes (desconfio) levemente bêbadas, num dos discos mais comoventes-sem-ser-lamechas que já se ouviram. É um grande disco, tanto pela qualidade como pelo plot twist que representa na carreira de Ty Segall. É uma afirmação pessoal; tanto da sua versatilidade como da sua sensibilidade.
7.8/10
*Escrito em concordância com o Acordo Ortográfico de 1945