Numa noite de agosto, ainda que com a concorrência das festas e festivais características do verão, Devendra Banhart conseguiu encher o grande auditório do Centro Cultural de Belém para aquele que seria o último concerto da tournée de apresentação de Mala, o seu mais recente disco de originais.
Com um estilo mais sóbrio e contido que noutros tempos e sem grandes surpresas no alinhamento, tratou-se cerca de uma hora de Mala, com direito a algumas passagens por álbuns anteriores. Fomos ao Brasil, ao Texas e à Venezuela sem sair de Belém, numa viagem que só pecou por saber a pouco.
A primeira parte foi entregue a Rodrigo Amarante. Ex-Los Hermanos e atual membro da banda de Devendra Banhart, o músico do Rio do Janeiro fez-nos uma visita guiada pelos temas de Cavalo, o seu álbum a solo cujo lançamento está previsto para setembro deste ano, fazendo-nos balançar ao som de Irene (as semelhanças com Caetano Veloso são óbvias) ou até ter vontade de descolar dos lugares sentados do CCB e sambar ao som de Maná. Sempre com um sorriso na cara e um grande sentido de humor, Rodrigo Amarante emanou a sua boa onda pelo Grande Auditório, preparando a plateia para o que se seguiria. “Obrigada por nos terem dado uma língua tão linda”, agradeceu o músico aos portugueses após a interpretação do tema Tardei. A primeira parte não poderia ter sido melhor escolhida. Saravá!
Passavam então quinze minutos das dez da noite quando Devendra Banhart subiu ao palco, acompanhado pelos seus músicos (entre os quais Rodrigo Amarante, agora num papel secundário). O arranque deu-se ao som de Golden Girls, tema que abre Mala a convidar-nos para “get on the dancefloor”, seguido de Fur Hildegard von Bingen. Ainda que bastante contida, a plateia não precisou de muito tempo para estar rendida aos encantos de Devendra Banhart e companhia. O clássico Baby fez as delícias do público, ou não fosse um dos temas mais conhecidos do músico texano.
Entre inglês, castelhano e portunhol, Devendra tratou das apresentações e de elogiar Rodrigo Amarante, cantando-nos que “não sei falar português, algum dia talvez…”, partindo de seguida para a romântica balada Mi negrita, com a sua costela venezuelana a fazer-se sentir. Tempo depois para uma visita a Smokey Rolls Down Thunder Canyon, disco de 2007, com Bad Girl e os seus “wah wah” a serem cantados em coro pelo público do CCB.
Entre falsetes, passeios com as guitarras pelo palco, expressões faciais e abanares de anca, Devendra Banhart provocou gargalhadas e aumentou a admiração que já lhe tínhamos. Foi assim também nos temas que se seguiram, como a intimista Something French, Never seen such good things ou a catchy Your fine petting duck, com a voz feminina a ser interpretada pelo próprio Devendra com os seus agudos tão característicos.
A reta final do concerto aproximava-se a passos largos, ainda que gostassemos de acreditar no contrário. Foi sozinho em palco com a sua guitarra, à média-luz (ainda que durante todo o concerto se ouvissem críticas à fraca iluminação do palco, que impediu os espetadores dos lugares mais cimeiros de decifrar as expressões faciais dos músicos) que Devendra interpretou Won’t you come on over numa versão única, capaz até de superar a versão do disco. Também sozinho, houve ainda tempo para The Body Breaks, antes de um rápido “boa noite, tchau”, despedida antes do encore.
Depois de uma estrondosa ovação de todo o Grande Auditório, os músicos voltam para Carmesita, único tema do encore que apesar da explosão de energia de Devendra e “su primo colorado”, não conseguiu levantar o público dos cómodos lugares sentados, à exceção de meia dúzia de jovens da primeira fila. Carmesita deixou-nos com vontade de receber outra hora de concerto, ou até mais, mas nem mais um tema foi tocado. Sendo um concerto de apresentação de Mala, não foi de estranhar a ausência de temas mais antigos como Feel just like a child ou Lover, mas o mais flagrante foi mesmo a falta de Santa Maria da Feira, tema composto em jeito de homenagem à cidade, numa das visitas de Devendra a Portugal, aquando do Festival Para Gente Sentada.
Esta noite foi efetivamente a prova de que tudo o que é bom acaba depressa e de que é impossível não ficar rendido ao charme e ao estilo único de Devendra Banhart. Saímos do CCB como quem volta de uma viagem às américas. Hasta la próxima, Devendra!
Fotografias por Ana Caeiro