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Os sinais do medo no universo de Ana Zanatti

Os Sinais do Medo, primeiro romance de Ana Zanatti, foi publicado em 2003 e traz uma mensagem poderosa a favor dos homossexuais, tal como livro infantil Teodorico e as Mães Cegonhas lançado pela Objectiva em 2011 em que é contada a história de duas cegonhas que adoptam um bebé abandonado. Nesta obra são dadas a conhecer seis personagens com medo da rejeição pelos familiares e pela sociedade ao assumirem a sua verdadeira identidade já que “numa família, são raras as pessoas que se conhecem, amam e aceitam verdadeiramente.”

“As convenções, os tabus, a hipocrisia dos falsos moralismos, fazem-nos às vezes representar papéis que não são nossos, usar máscaras que nos desumanizam”, pode ler-se na contra capa do primeiro livro de Ana Zanatti, intitulado Os Sinais do Medo. Foi lançado há dez anos (2003) e é dada a conhecer a história de diversas personagens, algumas separadas por gerações diferentes, envolvidas no medo de assumirem a verdadeira identidade perante a família, descrita aos olhos da escritora como os “que se dizem íntimos, mas para quem somos e nos são desconhecidos.” O universo de Rosarinho, Rita, Flávia, Maria do Carmo, Luís e de Paulo – as personagens do livro – transporta o leitor para um relato íntimo e escondido da vida pessoal de cada um. Todas as histórias são diferentes, com algumas a acontecerem em anos diferentes mas todas têm uma caraterística semelhante: apaixonam-se, amam pessoas do mesmo sexo e existe um receio a pairar em cada palavra escrita por Zanatti. “As personagens do livro comungam, em gerações diferentes, da mesma mágoa escondida”, escreve a autora, que descreve o denominador comum à história de cada personagem do livro.

Cada personagem, construída na cabeça da escritora e despejada sob a forma de palavras, tem receio de mostrar ao mundo quem verdadeiramente é. Flávia e Maria do Carmo são impedidas pelos valores sociais na época em que viveram: um tempo em que as mulheres tinham obrigatoriamente de casar, de servir os maridos com um sorriso no rosto, cuidarem das crianças e não se queixarem da vida que tinham. Sexo era um assunto tabu e encarado como perverso, não havia lugar para existirem sequer conversas sobre homossexualidade. Rosarinho, Rita, Luís e Paulo são pessoas da geração atual, em que o amor por pessoas do mesmo sexo é aceite por uma boa parte da sociedade. Não existe problemas em falar com um amigo sobre o assunto, em assumir-se e afirmar o amor por outro homem ou por outra mulher.

O coração destas quatro personagens está desfeito: Rosarinho pelo passado, por ter perdido a família, Rita graças ao relacionamento de anos terminado e à transformação da ex-companheira, o de Luís devido à rejeição da filha e à falta de aceitação pessoal do Paulo. Incapaz de se aceitar como homossexual devido à educação recebida, Paulo vê o seu coração desfeito cada vez que olha para os pais e os vê a defender freneticamente o impedimento dos direitos para os homossexuais. Existe uma história negra para contar sobre cada personagem, com receio de rejeição por parte da sociedade e dos mais próximos.

Ana Zanatti, reconhecida no universo televisivo e de teatro português, divide a forma como escreve o relato de cada personagem: as de gerações diferentes, dadas a entender ao leitor como mortas escrevem as suas vivências sob a forma de cartas. Escondem algumas histórias com um conteúdo sexual e segredos de família. Já a história de Rosarinho, Rita, Luís e Paulo e contada no presente. Não esperava por uma escrita tão envolvente. Zanatti sabe onde colocar as palavras certas ao longo do livro, em que altura colocar as cartas de Flávia ou de Rosarinho para o leitor entender melhor a história de todas as outras e todas as diferenças que separam gerações. Nas cartas colocadas ao longo do livro há um pequeno incentivo às personagens jovens para não se arrependerem das escolhas que fazem, para se manterem com a pessoa que amam e para lutarem pelos sonhos.

A personagem mais interessante na obra é o Paulo. Obcecado pelos fantasmas que a mãe lhe faz questão de alimentar com os valores religiosos que lhe tenta transmitir, para o desviar dos maus caminhos, e a manipulação que sofre por lhe ter tanto amor. É incrível a crítica que é feita à Igreja através de Maria João, com uma carreira ativa na política e acérrima defensora das tradições cristãs, disposta a sacrificar o filho para não ter de o imaginar o sequer ver com outro homem. São várias as questões que são colocadas ao longo da obra através destas duas personagens: porquê dar lugar à intolerância e não à compreensão? O ser humano não consegue dar a volta quando não se aceita tal como é?

É um ótimo livro com uma grande mensagem contra a intolerância e a insegurança. Dada à forma simples como Ana Zanatti escreve não se pode classificar como uma obra-prima mas, sem o leitor se aperceber, a história por mais simples que possa ser considerada consegue envolver. Há história que se destacam mesmo se decorrerem no quotidiano, como estes Sinais do Medo.

6,5/10

Sobre o livro:

Autor: Ana Zanatti

Páginas: 306

Editora: Dom Quixote

Data de lançamento: Maio de 2003

ISBN: 9789722024129

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