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Optimus Primavera Sound – Dia 2 – O barulho dos Swans e dos Metz, a celebração dos Blur

O segundo dia do evento começou em tons nacionais, com a actuação da pop multifacetada dos Dear Telephone e com o rock instrumental dos Memória de Peixe, e prometia casa cheia para a 01h25, hora em que os icónicos Blur subiriam ao palco Optimus. Pelo meio, e não menos importante, iríamos poder ver nomes como OM, Swans, Grizzly Bear, Metz ou Fuck Buttons.

Chegámos ao recinto ainda a tempo de ver pitada daquilo que os Dear Telephone nos tinham para oferecer; uma pop arriscada, que não se deixa apenas veicular por coisas já fabricadas, mas que de um certo prisma tenta ser própria. Taxi Ballad prova isso mesmo; foi um concerto fofinho.

Depois foi tempo de rumar até outras bandas, mais concretamente, foi tempo de rumar até aos peixes Miguel Nicolau e Nuno Oliveira, dupla que constitui os Memória de Peixe. Quem já viu Memória de Peixe ao vivo, certamente já sabe aquilo que esperar, e isso pode ser bom ou mau. Porém, no caso da banda pertencente aos quadros da Lovers & Lollypops isso é bom. É boa a vertente “dançável” da indie pop atrevida da dupla, é sempre excelente ouvir o malhão Indie Anna Jones ao vivo e é sempre boa a transformação/prolongação que os peixes fazem com Fishtank. Estes peixes sabem como nadar em cada mar com quem se cruzam, e isso é louvável.

Palco ATP, 18h30, os OM estavam a espantar toda a gente com o seu stoner rock imponente. Com a pouca adesão dos festivaleiros à banda de Al Sisneros, senhor também responsável por outra banda grandiosa da stoner, os Sleep, ainda conseguimos arranjar um lugar bom q.b. para podermos ser siderados por todas aquelas linhas de baixo e batidas lentas que impõem respeito – e estes dois aspectos são os que mais cimentam os OM como uma das bandas do momento na cena stoner rock/doom metal. Neste concerto não foram apenas repescados temas de Advaitic Songs (mas que bela performance de State Of Non-Return), e foram relembrados outros tempos mais fervilhantes da banda americana como aqueles que se viveram em Pilgrimage. E, no fim de contas, a festa fez-se com o tradicional headbang.

Os OM incentivaram a abanar a cabeça.
Os OM incentivaram a abanar a cabeça.

Depois do concerto de OM, era tempo de arranjar uma estratégia para ter um belo lugar para Swans. Posto isto, optámos por ver Local Natives ao invés de ver o quase mítico da canção folk Daniel Jonhston. Resultado? F***, pior decisão das nossas vidas (algo que viria a ser compensado com o facto de estarmos na primeira fila em Micheal Gira e companhia): os Local Natives são um daqueles nomes que fazem música de consumo fácil, propício a que a massificação indie se babe com ela. São pretensiosos, muito pretensiosos e isso sobressai em cada uma das suas músicas. É pena que isso aconteça, mas se em estúdio eles conseguem ocultar parte disso, ao vivo não conseguem fazê-lo. E ainda bem, porque assim sabemos com quem não devemos perder tempo. Siga para Swans arranjar lugar.

Isto somos nós na primeira fila à espera de Swans, aquele é Deus.
Isto somos nós na primeira fila à espera de Swans, aquele é Deus.

E assim foi; fomos para Swans arranjar lugar e inda vimos o ilustre Micheal Gira no habitual soundcheck. 21:30h, hora em que tudo começava. Os Swans não são uma banda qualquer, os Swans não são concretos, os Swans não são coisa nenhuma; eles não existem de uma maneira física, não existem de uma maneira que possamos dizer ao nosso colega que nos pergunta quem são os Swans o que são os Swans.

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Micheal Gira & companhia trataram de “ensurdecer” o ambiente.

Podemos apenas dizer que são monstruosos, ávidos por nos causar um vómito cerebral. São o sangue em forma de música. Música crua, de cantar a dor e a compaixão. A impiedade. Podemos dizer que a música que neles ouvimos não a encontramos em mais lado algum e que orquestras tão devoradoras como estas não existem. Nem muito menos maestros como Micheal Gira. Podemos dizer isso tudo e mais alguma coisa, mas nunca nada será suficiente porque os Swans são únicos em cada momento e vê-los ao vivo é uma das experiências mais animalescas e barulhentas que podemos ter. No fim ficámos surdos, e não podemos ficar chateados com eles por uma coisa como essas. Afinal do que é que estávamos à espera? Exacto: um dos melhores concertos do festival.

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Os Swans foram a crueza de sempre.

Qualquer coisa que se seguisse a Swans iria ter uma missão espinhosa pela frente. A fava calhava, então, aos Grizzly Bear, banda norte-americana gigante da freak folk. E a verdade é que passar de um concerto do nível sonoro de Swans para um concerto de Grizzly Bear soa bastante mal. O som notou-se muito, muito mais baixo que no concerto anterior (o que é perfeitamente compreensível), e os Grizzly Bear davam um concerto muito mediano, abaixo daquilo que se esperava. Nos entretantos pairava a dúvida deixada pelo concerto anterior “Então, mas isto é música?”, ao que os norte-americanos respondiam sempre com músicas retiradas de Shields, o mais recente disco da banda. Ainda ouvimos músicas como Sleeping Ute ou A Simple Answer, mas depois decidimos rumar até ao palco ATP, onde os Shellac, de Steve Albini, estavam a actuar.

Os Shellac, assemelhando-se aos Grizzly Bear, também se revelaram muito aquém das expetactivas; prevendo que chegámos já ao palco ATP na segunda metade do concerto, este revelou-se pouco envolvente do ponto de vista musical, com o seu foco de interesse a centrar-se quase unicamente na capacidade destes em entreter as pessoas através de baquetas a serem atiradas para o público, de guitarras a serem tocadas com os dentes e de contínuas linhas de baixo a servir de banda sonora para tudo isto. E era então que a pergunta surgia de novo “Então, mas isto é música?”.

A banda de Steve Albini não conseguiu impressionar.
A banda de Steve Albini não conseguiu impressionar.

Depois do concerto de Shellac, fomos até ao palco Pitchfork, onde os canadianos Metz prometiam incendiar os ânimos. O prometido é devido e assim foi; os Metz estão melhores do que nunca (estão mesmo bem melhores do que em Fevereiro, quando os vimos a tocar no Plano B) e fizeram com que o público se aventurasse no mosh e no crowdsurfing pela primeira vez no festival (pelo menos, a avaliar por aquilo que vi). A setlist, claro, incidiu sobre o homónimo editado no ano passado pela SubPop Records, e foi em momentos como Wasted, Headache ou Rats que mais sentimos quem são os Metz: são putos com a pica toda dos 90’s que se agarram aos dogmas do post-hardcore e do noise rock. No fim, com Knife On The Water, disseram-nos que com Metz até te explodes. Corroboramos.

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COM METZ ATÉ TE EXPLODES

Seguido de Metz, o concerto mais aguardado do dia: os Blur. Era 1h20 e ouviam-se, então, os primeiros acordes de Girls & Boys. Era o delírio. Não espanta se dissermos que tinha sido até ao momento a maior enchente do festival. Impressionava o mar de gente que se estendia desde as proximidades do palco até locais mais longínquos, e não era para menos: falamos dos Blur, banda mítica de uma geração que se cruzou com este nome icónico da britpop. O concerto confirmou o desfile de êxitos que se esperava: tocaram-se temas com Beetlebum, There’s No Other Way, Coffe & TV ou Contry House, dedicou-se um tema a Portugal e assistiu-se um momento bonito com Tender a ser parafraseada em coro juntamente com o público. Despediram-se numa primeira fase sobre uma imensa chuvada de palmas, e voltaram juntamente com elas para o esperado encore. No encore entoaram-se temas como End Of a Century ou Universal. O concerto fechou, como já era esperado, ao som de Song 2 – o hino de uma geração -, dando espaço para que houvesse um mosh quase tão gigantesco como os Blur foram no seu concerto.

Os Blur foram anfitriões de uma das maiores enchentes do Optimus Primavera Sound.

Enquanto os Blur encantavam, havia outro concerto gigante ali a decorrer: o concerto dos Do Make Say Think, nome a ter em conta no cenário do post-rock actual que pesca de mares já explorados pelos Godspeed You! Black Emperor ou pelos Tortoise, criando uma aliança entre os nomes mencionados admirável.

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Os Do Make Say Think tocaram à mesma hora que Blur, mas não foi por isso que tiveram tão pouco público quanto isso.

03h20, era já tarde, mas a banda que iria tocar no palco ATP é uma banda para se ouvir em todos os momentos; os Fuck Buttons não escolhem hora, a sua música não escolhe momentos. E a sua essência é mesmo essa, o prazer da descoberta de si mesma. Vou-vos confessar: sanidade mental às três e tal da manhã é uma coisa ao alcance de muito poucos. Infelizmente, neste caso, fiz parte dos muitos.

A lua
Eu deitado a tirar uma foto, com o telemóvel, à lua, em Fuck Buttons.

Aquele ali em cima sou eu deitado a apontar a máquina fotográfica do meu telemóvel para os céus dois minutos antes dos Fuck Buttons terem subido ao palco do ATP; e bolas não podia ter tido uma decisão melhor na vida do que começar a ver Fuck Buttons deitado: viagens, viagens e mais viagens, e sabe bem viajar sem nos cansarmos (quanto mais se estivermos deitados). A música de Fuck Buttons não é feita para se sentir, é feita simplesmente para viajar por sítios incógnitos criados pelo exercício da exumação da dupla em si mesma. Há encontros e desencontros, há sapiência em lidar com drones e existem explosões capaz de nos deixar siderados e boquiabertos a olhar para o palco, mas há, acima de tudo, uma identidade sónica muito peculiar e idiossincrática. O dia fechou-se na descoberta, e que belo desfecho.

Os Fuck Buttons deram um dos melhores concertos do festival portuense.
Os Fuck Buttons deram um dos melhores concertos do festival portuense.

*Este artigo foi redigido, por opção do autor, ao abrigo do acordo ortográfico de 1945

Texto por Emanuel Graça, fotografia por Gonçalo Loureiro