“Tiago, és o maior!”, ouve-se pelo palco do Coliseu. Palco, sim, já que este foi transformado em plateia exclusivamente para o concerto de sexta-feira à noite. Num espetáculo intimista, que de acústico teve muito pouco, o cantautor Tiago Bettencourt iniciou a digressão de promoção do novo álbum com um convidado muito especial, as músicas que já todos sabemos de cor e um humor contagiante.
Vem em nome próprio, mas é com baterista, teclista e guitarrista que surge em palco no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, neste dia 15 de março, que marca o início da digressão do seu mais recente álbum. Atrás dele, um Coliseu vazio. “Fiquei com muita pena de não ver o que se passa aqui”, diz a certa altura. “Só vejo escuro”. O seu convidado diria mais tarde: “Pela primeira vez estou de costas para o Coliseu”. O que nós víamos é indescritível: um enorme espaço vazio e côncavo a olhar-nos, num jogo de luzes e cores maravilhoso.
Tiago Bettencourt abre o concerto com uma canção do tempo de Tiago na Toca: X, com poema de Florbela Espanca. “Estou muito feliz por estar aqui”, afirma emocionado, perante um público expetante e sorridente. Está relaxado, faz umas piadas e tenta constantemente não falar muito, para não tornar o concerto longo. “Não quero que seja chato para vocês”, ri-se. Nós rimos com ele.
Segue-se Largar O Que Há Em Vão, com o seu “deixa andar, deixa ser”. Já a Canção Simples diz que “há qualquer coisa que aquece o coração”. Simples, como gostamos delas, das músicas, e dele, do Tiago, sempre fiel à sua voz rouca e melodiosa. Pede palmas em contratempo nesta última, mas como há interpretações dúbias na plateia-palco, canta-se por cima. E resulta!
É engraçado que ele procure explicar as canções à medida que as vai apresentado. Como se cada uma delas tivesse uma história por trás. Fê-lo em Os Dois e O Sinal, mais duas músicas da colaboração com os Mantha. Com elas, também, o término de qualquer esperança de que estaríamos perante um concerto puramente acústico, como o seu último álbum premedita. Foi melhor assim. Tiago, you rock.
Mas não só de originais se faria a noite. No comeback à música de Carlos Paião, Pó de Arroz, e no momento em que ecoa na sala inteira Canção de Engate, de António Variações, as pessoas aderem e cantam com ele, como se as músicas fossem suas – de todos. Dele, pelo menos, são, em parte, dado que assentam maravilhosamente na sua voz. O rock prossegue, com Cenário, numa menção honrosa aos Toranja que o deram a conhecer.
Antes do convidado especial há ainda tempo para Espaço Impossível e, já que “tudo é o que tem de ser”, tempo também para Tens Que Largar A Mão, outra do álbum Em Fuga – sem dúvida um dos melhores e mais coerentes do seu percurso musical. O primeiro êxtase chega com O Jogo. Ele diz que “está frio demais para apostar em mim”, mas nós não queremos saber do frio e cantamos, interrompemos com “ais” e balançamos o corpo ao som dos diferentes ritmos da música.
Diz também que tem vergonha do que escreve quando ouve as letras de Samuel Úria, que surge em palco para os melhores vinte e tal minutos da noite. Em dueto, pensam fazer um espetáculo de stand up, mas resignam-se a cantar, e fazem bem. Primeiro em Já Não Te Encontro Mais, do próprio Tiago, depois em duas canções de um projeto no qual dizem não ter participado, mas ao qual podem muito bem ter dado voz: os Maria Clementina, banda virtual criada em 2010. Encantam com os ritmos refrescantes de Veio a Maria Clementina e Vou Ser Alguém e, por fim, com a nova de Samuel, Lenço Enxuto, que partilhou com Tiago Bettencourt.
Esta canção dá o mote para uma longa conversa sobre o facto de os homens não chorarem. “As senhoras andam a desenvolver há milénios esta arma química que são as lágrimas”, diz Samuel Úria. Mandam umas gracinhas, mas choramos apenas por ver o convidado abandonar o palco. “Tirou-me a onda agora”, diz Tiago, e com razão. Contudo, parece que lhe fez bem a ajuda do amigo. Aqueceu verdadeiramente o ambiente para uma segunda parte mais curta, mas mais entusiasmada, do concerto.
Só Mais Uma Volta (antecedida por um breve Walk on the Wild Side) e Laços marcaram o início desta segunda parte mágica. Com Carta, o silêncio do próprio Tiago para ouvir o público entoar – ou simplesmente declamar, se quisermos – os seus versos, a sua “bola de cristal”. Uníssono maravilhoso, antes da igualmente maravilhosa Chocámos Tu e Eu, para “fechar” o espetáculo, que levou as pessoas a levantar-se para cantar e aplaudir.
Partiu, mas por pouco tempo. O Campo abre o encore e com Eu Esperei, sozinho em palco, acompanhado por uma guitarra e uma harmónica, faz a sua crítica social, dizendo que “está tudo muito absurdo neste país há muito tempo”. O único inédito do seu Acústico, por outro lado, é entoado por todos os presentes, que tinham a letra em cima da cadeira. Depois do mini ensaio, Temporal pareceu antes um lindo dia de sol, culminando numa ovação em pé.
Tiago Bettencourt refere-se às pessoas como seus “cúmplices”, ao longo destes dez aos de carreira, partilhando com elas o pequeno palco neste concerto intimista de retrospectiva. Despede-se do Coliseu com Caminho de Voltar, num “sítio onde o escuro não chegou”. Exímio na voz, na guitarra, na harmónica, mas também sentado ao piano, não há dúvidas de que o nosso Tiago é um dos grandes letristas e compositores da sua geração. Queremos mais dele e esperamos ainda melhor para os próximos dez anos.
Fotografias: André Cardoso