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II, de Unknown Mortal Orchestra

Todos os anos há aquele álbum pelo qual nos apaixonamos: aquele álbum que ouvimos cinco a dez vezes por dia até decorarmos as letras, as progressões de acordes, as batidas, os solos, os ganchos, as partes em que o vocalista inspira, os breaks, os licks e outras expressões em itálico que metes no meio da frases para mostrares que és um dedicado melómano. É com esse disco que vais ter uma relação secreta e melosa até ao fim do ano, uma daquelas que te faz escrever parágrafos foleiros como este.

Ao passado recente posso ir buscar o The Empyeran, do John Frusciante, Smoke Ring For My Halo, do Kurt Vile, e o Twins, lançado o ano passado, do Ty Segall. E podemos ainda nem ter chegado aos idos de Março, mas já estou pelo beiço com este II, segundo longa-duração dos Unknown Mortal Orchestra.

O pontapé de partida é dado por From The Sun, uma ode ao isolamento e ao “solitarianismo” (não traduzir a expressão seria demasiado tendencioso), banhada em arpejos que lembram os mornos ocasos de fins de Setembro, saudosos por antecipação. Os primeiros versos dizem “isolation can put a gun in your hand” – o que no fim até é divertidamente irónico, da maneira que não devia ser, quando reparamos que esta canção caberia perfeitamente no Revolver, de 1966.

Este álbum deve ter sido escrito no Verão, porque Swim and Sleep (Like a Shark), segunda faixa, traz-nos o mesmo sentimento soalheiro, com um riff nostálgico e ondulante, prolongado e sem pressa, quase lânguido, com uma carga barroca que pode pôr o mais distraído a ritmar um minueto com a ponta dos dedos. Depois chega So Good At Being In Trouble: R&B choroso com alguns traços de faux-soul, ajudada pela história de “amor-combate”.

O álbum vai-se desenrolando como se fosse a banda sonora de um filme, aqui e ali com reminescências de uns Sly & The Family Stone ou de um Jimi Hendrix ainda às voltas com o Revolver lá de trás e alguns trompetes, enfim o psy-rock envolvido numa atmosfera de reverbações ténues, para não estragar o tempero.

No Need For a Leader vem acelerar o ritmo das coisas. E vem parecer ser um bebé precoce entre o Kevin Parker e o Ty Segall (algo que se poderia descrever como “punk de garagem encontra o rock psicadélico”), para o álbum depois se afogar nos reverbs melancólicos de Monki, a única canção assumidamente tristonha porque é a única que não se fica só pela letra quási suicida, isto é, junta-lhe também a melodia.

Dawn, instrumental, é como se fosse uma espécie de entreacto e serve para tirar o sabor a melodrama da boca. Entram Fade In The Morning, com um riff metade blues metade garage rock revival à moda dos Royal Headache e uma voz em falsete, e Secret Xtinas, que até aos trinta segundos é a balada que vem a meio dos álbuns grunge e depois assume uma postura quase funk.

É a música dos créditos, enquanto vão passando alguns bloopers. É invulgar conseguir enfiar tanta sonoridade diferente num álbum sem parecer atabalhoado. Invulgar é, também, crescer tanto do primeiro para o segundo disco. Os Unknown Mortal Orchestra andam a fazer pouco por continuar unknown. Parece que lhes puseram fermento. Ninguém se pode queixar.

7.5/10

*Por opção do autor, este artigo foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1945

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