Logo no início de O Mentor, a simbiose entre imagem e som pode levar-nos a prever que o filme será como esses planos: forte. Paul Thomas Anderson é, tal como o título do filme e a personagem a que este se refere, uma espécie de mentor que ao longo dos anos foi adquirindo uma legião de fãs. E que estes não fiquem desapontados, não é caso para isso.
Freddie Quell (Joaquin Phoenix) é um oficial da marinha que, após a 2ª Guerra Mundial, é dispensado e retorna à sociedade, tentando uma integração. No entanto, e se a guerra acabou, as suas questões não, pois ao voltar à vida civil de imediato se vê a deambular entre álcool, agressividade e o facto de não pertencer a nenhum local.
É precisamente numa dessas deambulações que se encontra com O Mentor – que já aparece num momento mais tardio – de seu nome Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), um médico-cientista-líder-de-um-novo- culto, A Causa (uma alegada inspiração na Cientologia). De imediato se estabelece uma ligação entre ambos, sendo intrigante o interesse de Dodd em Freddie, tomando-o como objecto de estudo da Causa mas ao mesmo tempo como um produto desta. O interesse aqui coloca-se e bem em torno da relação complexa que se cria entre os dois e não propriamente em torno da Causa e das motivações que levam os indivíduos a aderirem a esta. Para Freddie, A Causa torna-se uma saída, a possibilidade da criação de um novo self, construído por Dodd.
E um dos pontos mais fortes do filme está mesmo nas interpretações, através de actores que conferem força a uma história que facilmente se poderia tornar desinteressante. Joaquin Phoenix já em 2005 tinha mostrado muito talento com Johnny Cash, aqui volta a não desiludir, faz um uso eficiente da sua expressão corporal ao dar vida a um anti-herói que desperta choque ao mesmo tempo comove. Por outro lado, Philip Seymour Hoffman é tudo o que um mentor precisa ser, carismático e eloquente. A completar este núcleo, Amy Adams como Peggie, a mulher de Dodd, uma presença feminina marcante não só na Causa mas também forte influência nas decisões do marido e no processo de reinvenção de Freddie.
Se as motivações para a adesão à Causa não são importantes, o mesmo não se pode dizer das motivações do comportamento de Freddie. E aí encontramos um fio condutor que pode ser explicativo dos seu comportamentos: a relação estranha que mantém com uma jovem na sua terra natal. Embora sempre presente, esta relação é um fantasma, marcada pelo arrependimento que paira sobre Freddie e que culmina numa resolução tardia.
O Mentor tem presentes algumas questões históricas (tal como Barbara de Cristian Petzold tem em segundo plano os fantasmas de uma Alemanha dividida, aqui estão presentes as sombras de um pós-guerra nos Estados Unidos), uma recriação aparentemente simples dos anos 50, através do guarda-roupa e restantes elementos, assim como uma fotografia impecável que em conjunto com a banda sonora conseguem criar alguns momentos bastante poéticos.
Acima de tudo, este é um filme ousado e só por isso merece ser visto, não só por ser ousado mas também por ter o poder de intrigar o espectador, o que já é mais do que faz a maioria dos filmes que nos chegam de Hollywood. Perante os restantes candidatos aos Óscares, é surpreendente que não tenha tido mais nomeações.
9/10
Ficha técnica:
Título original: The Master
Realizador: Paul Thomas Anderson
Argumento: Paul Thomas Anderson
Elenco: Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams, Laura Dern
Género: Drama
Duração: 144 minutos
*Por opção da autora, este artigo foi escrito segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945