Uma versão intimista de In My Place inicia o concerto e recorda-nos de onde veio esta Ana Free. Uma das Youtube Stars, uma portuguesa que fez chegar longe a voz do país. Uma história que parece grande demais para o que vemos na sala do TMN ao Vivo, semi-vazia e maioritariamente preenchida por pessoas das editoras, da FNAC, da imprensa, amigos e família da cantora.
Esperámos, até aos primeiros minutos do concerto, que o cenário pudesse mudar, que fosse só um problema de fãs pouco pontuais. Não mudou, e quando In My Place ressoa pela sala, deve ser formada por pouco mais de 10 jovens a por nós aguardada task force do Ana Free Portugal. Entusiastas e dedicados, não deixam de ser exceção numa sala com muita luz mas pouco calor humano.
O alinhamento de Ana Free segue com Perfection, é o próximo single da cantora e segundo avanço para To.get.her, o disco a ser apresentado hoje. Tema enérgico e radio-friendly, leva-nos a reparar que a cantora está muito mais pop que no início da carreira e a própria indumentária reflete-o. Ana conta que finalmente saiu o álbum, esta segunda-feira, e expressa algum alívio por o ter conseguido. Talvez tarde demais, talvez demasiado tempo depois do fenómeno.
A próxima já a conhecemos das rádios. Electrical Storm fica no ouvido, e ajuda a provar a capacidade vocal de Ana Free. A vocalista cumpre, é afinada, conhece e sabe usar bem a voz que tem. No entanto, e de vez em quando, a boa produção do concerto quase parece abafar a cantora. Confirma-se a tendência pop-rock que já tínhamos detetado. A inocência acústica passou, estamos perante uma estrela de som e luz.
Next song: Wake Up Call. Permite os primeiros momentos de grande proximidade com os fãs na primeira fila e é a primeira balada do alinhamento. Uma power ballad, diríamos. Mas não deixa muitas recordações e parece-nos banal, esquecível e desinspirada. Mas ainda só vamos na terceira música.
Segue-se Rewind e aos primeiros acordes diz-se em uníssono: Shakira. Chegou o momento dos mojitos no bar. Se Ana Free tem um lado latino, ele está aqui. A guitarrada à la Santana não engana. Demasiado semelhante à cantora colombiana, ainda deu para bater o pezinho, mas a sensação de estarmos perante um genérico da marca original foi demasiado forte. E o tom latino-sensual não lhe assenta bem, parece forçado.
Anuncia-se Surrender e chega o momento R&B. A batida anuncia-o e temos uma balada ao estilo de Alicia Keys. Um apelo à não-rendição, mas nós deixámo-nos levar pelo sofrimento e pelo tédio. O instrumental minimal permite, ainda assim, destacar a belíssima voz da Ana Free. No entanto, esta dupla de canções-tributo derrotou as expectativas que restavam.
Meio-hit do verão 2011, chega Summer Love, a música que juntou Ana aos brasileiros Claus e Vanessa. Leva à primeira tentativa em português da noite, pinta o palco de verde e amarelo e dá direito às primeiras coreografias. Resulta melhor na pista de dança que aqui, mas acabou por não aquecer nem arrefecer.
Há uma pausa, enquanto passa um vídeo a fazer lembrar aquelas fotos do Tumblr. Desta primeira parte fica uma ideia: Ana Free quis ir a tanto lado que não chegou a nenhum. A mistura de estilos e referências não a está a favorecer e só desejamos que ela esqueça os calções curtinhos e tiques de princesinha da teen pop. Gostamos mais da Ana Free como ela era antes – de jeans rasgados, cabelo atado, guitarra na mão e sorriso nos lábios.
E realmente ela muda de indumentária, não totalmente de acordo com os nossos desejos, mas de guitarra na mão – “agora parece que vou a um casamento”, diz. Anuncia o segmento acústico do concerto. Convida crianças para o palco e inicia com No Other Way. E sem dúvida alguma que, apesar de tudo, volta melhor.
A música soa mais natural e a primeira deste segmento mais intimista até resulta num mash-up engraçado com Somewhere Over the Rainbow. A seguir, e com a ajuda de Pepe e Tiago, apresenta um cover de Cry Me a River, original de Justin Timberlake. Aqui numa versão invertida, de rapariga para rapaz, Ana consegue tirar as primeiras cantorias do lado do público. Recebe o maior aplauso da noite – numa música que não é sua.
Renegade é anunciada como a última do set acústico. Intimista e autobiográfica, não precisa de muito para fazer mais do que as grandes produções deste primeiro registo de originais e sentimos, nesta interpretação, mais genuinidade.
A seguir volta a Ana Free da sensualidade e Sugar Rush, quase juntinha a I Want Your Love, compõem os dois grandes momentos up-tempo deste registo de originais. A segunda, primeira música a ser gravada neste To.Get.Her, volta a fazer recordar Shakira. O que não é necessariamente bom. Dá para dançar, puxa por nós, mas continua sem satisfazer.
Ela anuncia a última música. Girlfriend dá o mote para o encerramento. Gravada com Diego Miranda, acaba por ser o grande momento do concerto. Talhada para as discotecas e a fazer recordar David Guetta, acaba por ser uma aposta certeira. De melodia e refrão pegajosos, parece ser um fecho em grande. Regressamos ao verão por momentos e percebemos que também conseguimos gostar de ouvir Ana Free em temas mais eletrónicos.
No público contam-se Marisa Liz, Catarina Wallenstein, Pedro da Rosa e Miguel Ângelo. Cá à frente pede-se mais uma e nós também não arredamos pé. E chega o encore, com um medley de música nacional que mistura Expensive Soul, Hands on Approach, Da Weasel, Rui Veloso, Xutos & Pontapés e ainda Buraka Som Sistema. Algumas pareceram misturadas a martelo, mas nós só torcemos para que as coisas corram bem.
O Pastor, dos Madredeus, chega em tons de fado chill-out. Parece uma mistura estranha, não parece? Foi mesmo.
Perfection volta para uma segunda vez e confirma-se: este é um bom single. A música tem pedalada, fica no ouvido e parece-nos resultar bem junto ao pouco público que estava por ali. Girlfriend também regressa e tudo nos pareceria muito melhor se o concerto só tivesse sido estes últimos 10 minutos.
Ana Free canta bem, é muito simpática e sem dúvida alguma que tem talento, continuamos, como desde a primeira vez no Youtube a gostar dela. Este To.get.her é que parece um disco qualquer de qualquer outra pessoa. A falta de identidade que transparece é notória. O disco continua a parecer um disco de covers, com inspiração excessiva noutros artistas e em modelos musicais relativamente pré-fabricados. Esperávamos uma jogada mais arriscada, uma passada maior. Afinal, a menina cresceu.
Texto de Pedro Miguel Coelho com fotos de Bárbara Sequeira.