Deu-se a conhecer em projetos com B Fachada, Homens da Luta e Nilton, na dupla Maria Amélia, do 5 para a Meia-Noite, mas é a solo, com Em Banho Maria, que inicia a conquista da música portuguesa. Martim Torres transforma-se n’O Martim, o seu alter-ego pop/rock, com um toque humorístico e nove canções refrescantes que pretendem mostrar ao mundo a sua “poesia”, ou algo do género, pelo menos. Suavemente, em banho-maria.
O álbum foi gravado e produzido no seu estúdio caseiro no início de 2012, com um computador, uma caixa de ritmos, vários instrumentos tocados pelo próprio Martim e ajuda de músicos como o baterista David Pires, d’Os Pontos Negros. O Martim foi construindo letras e arranjos que, juntos, contam a história desta personagem, na primeira pessoa, que fala dos seus amores, dos amigos, de carros, da vida, como se se fosse lembrando de pormenores à medida que vai cantando.
Banho Maria é o single de estreia e a canção que abre o álbum e a porta para o universo d’O Martim. Para além de uma relação que não evolui, temos efectivamente uma Maria, com a qual O Martim gostava de tomar banho. Tem o seu quê de rock e um ritmo algo alucinante, que fica na cabeça, o que não acontece tão bem, por exemplo, na seguinte. Eu Já Não Sou Poeta apaga ligeiramente o que gostamos na voz d’O Martim, deixando apenas audível a genialidade da letra e os ritmos electrónicos. Ele diz que não é poeta, que canta e toca apenas por gosto, mas nós achamos que até se safa bem.
Sempre com humor e originalidade, características transversais a este Em Banho Maria, Cafuné destaca-se pela inspiração sci-fi d’O Martim, que vê e ouve cheiros, e pela forma ligeira com que procura abordar este abandono de uma mulher. O próprio ritmo é mais suave, o que acontece igualmente em Toda a Gente, um hino à esperança – e algo convencido, sejamos sinceros -, com um desejo enorme de que gostem dele: “Toda a gente vai querer ser igual a mim”. Com uma voz que sobressai e nos faz querer mais, sim; mas com uma batida um bocadinho menos monótona.
São duas bonitas canções, a que se junta outra: “A cada minuto que passa eu menos pertenço a ninguém”, diz ele em Cais do Sodré. Esta sim, verdadeiramente uma deambulação por Lisboa, sem saber bem o que quer da vida. Rimas simples mas agradáveis ao ouvido, mais pop, mais interior. Vamos entrando na cabeça d’O Martim e conhecendo os seus desejos, as suas fraquezas. Esta capacidade de contar uma história e uma viagem é o que oferece ao álbum, a meu ver, a sua verdadeira essência, mais do que qualquer sonoridade.
As minhas favoritas são, no entanto, Domingo de Manhã e Belzebu, Meu Amor. A primeira, muito terra-a-terra, com um ritmo algo banalizado, tem algo que lhe dá destaque em todo o álbum: coros de vozes do próprio Martim. Dão-lhe uma certa aura fantasmagórica, numa canção que é essencialmente orgulhosa, novamente contra uma mulher que age sem pensar nos sentimentos dele: “agora a tua ressaca é a minha bebedeira”. Belzebu, Meu Amor é mais irónica, menos direta: “porque é que eu só me consigo apaixonar pela encarnação de Lúcifer”. O Martim não tem sorte no amor, já o percebemos. A canção tem uma estrutura mais normalizada, mais facilmente memorável e o humor é também mais demarcado. Pode vir a ser um hit pop se O Martim quiser. É uma música com muita alma.
Já Honda Blues e Tu Não És O B Fachada são talvez as menos bem conseguidas liricamente. A paixão pelo seu Honda conduz a primeira, claramente mais ridicularizada do que o resto, o que é notório na própria voz d’O Martim, sempre com o seu toque humorístico. Hoje em dia escrevem-se músicas sobre tudo, porque não sobre um carro? A segunda é o espelho de uma amizade e admiração por B Fachada, que interveio inclusivamente em algumas músicas. Safa-se pelo ritmo rockeiro interessante e pela originalidade constante.
Em Banho Maria marca assim a primeira viagem d’O Martim, senhor de si, mas com azar com as mulheres. É refrescante, traz uma nova abordagem e novas melodias à música portuguesa. Por ser tão terra-a-terra, tão reflexivo do quotidiano de um ser humano comum, torna-se natural, sem esforço, permitindo a identificação de quem o ouve. O humor também aproxima a realidade das pessoas e O Martim consegue muito bem isso através das suas letras, num belo disco que merece ser ouvido mais do que uma vez na vida.
É original, é subversivo, de certa forma. É interessante que O Martim não seja efetivamente o Martim mas é igualmente agradável percebermos que todos temos um Martim dentro de nós. Queremos que seja ouvido, que seja memorável, esperamos que o seja e que não caia no esquecimento pela sua ligeira banalidade e envolvência de sonoridades já conhecidas. Está mais do que em banho-maria, já.
Nota: 7,5/10