Quase 50 anos de filmes fazem de Woody Allen um dos realizadores mais proeminentes da atualidade. Com um humor peculiar, filma para “entreter as pessoas”, gosta de desafios e as mais de 60 histórias que já escreveu continuam a cativar gerações e gerações de seguidores. Mas cada história tem um espaço próprio, sem o qual não teria alma, lugar, ou justificação. É através dele que se contextualiza, que ganha forma e se desenvolve a narrativa; é nele e com ele que as personagens vivem e interagem. Para lá de toda a composição, as cidades de Woody são uma parte essencial da sua obra.
Nova Iorque é claramente a sua paixão, com mais de metade dos seus filmes a serem rodados na grande metrópole. Contudo, na sua longa carreira, passou já por New Jersey, Atenas, Budapeste, Veneza e pela costa Oeste dos EUA, nomeadamente São Francisco, onde gravou inclusivamente o seu filme para 2013. Este ainda não tem título nem data prevista para estreia, sabendo-se apenas que marca um hiato do realizador na sua designada ‘fase europeia’.
A verdade é que, antes, Woody Allen era conhecido pelas suas personagens muito características, pelos romances difíceis, pela escrita inteligente e humorística. Agora, parece sê-lo maioritariamente pelas cidades em que cria e filma as suas histórias, sobretudo as capitais europeias por que tem passado mais recentemente. “Eu vou onde sou bem-vindo, onde os meus filmes podem ser financiados sem restrições à minha visão criativa e onde possa passar três meses agradáveis enquanto filmo”, disse uma vez. A Europa tem sido a sua escolha.
Para além de Nova Iorque, Londres, Paris, Barcelona e Roma são outras das “suas” cidades, que já teve oportunidade de imortalizar. Agora aguardam-se os próximos alvos: que outras cidades serão vistas através das lentes dos seus óculos? Woody Allen pode estar a caminho de Lisboa ou do Rio de Janeiro…
NOVA IORQUE
Não há como escapar à Grande Maçã na filmografia de Woody Allen. Ana e as suas Irmãs, Os Dias da Rádio, Maridos e Mulheres, Um Misterioso Assassínio em Manhattan, Balas sobre a Broadway e Poderosa Afrodite são alguns dos clássicos allenianos que tiveram Nova Iorque como pano de fundo. Entre os mais recentes está Tudo Pode dar Certo (2009), na pausa da sua incursão pela Europa.

Annie Hall é um dos primeiros e um dos principais da sua carreira. Nele Nova Iorque é o palco de um romance entre um comediante neurótico e a sua namorada, representada pela musa Diane Keaton, desde o dia em que se conheceram, com o habitual toque de comédia e um guião inteligente e sem preconceitos. Destaque também para Toda a Gente diz que te Amo, um pouco conhecido musical de Woody Allen, com um elenco recheado de estrelas, que contempla diversas avenidas e edifícios de Nova Iorque, como o Metropolitan Museum.
Mas o filme por excelência e a grande homenagem de Woody Allen a Nova Iorque é, no entanto, Manhattan, de 1979, o retrato de uma cidade a preto e branco. Manhattan personifica na perfeição as maravilhas de Nova Iorque, na história de um quarentão divorciado que namora uma adolescente e se sente atraído pela amante do melhor amigo: o “nada é impossível”, a magia, a simplicidade, a esperança, a ousadia. As vidas de Issac, Mary, Yale e Tracy não poderiam ser as mesmas se tivessem lugar noutra cidade. E o filme é tão emblemático que existem circuitos turísticos que contemplam os diversos locais filmados por Allen, nomeadamente o banco de jardim em que o ator e Diane Keaton se sentam para conversar de madrugada, junto à ponte Queensboro.
LONDRES
Foi em 2005 que Woody Allen tentou a sua sorte na capital inglesa, apenas atrás das câmaras, apostando na musa dos seus filmes europeus, Scarlett Johansson. Match Point provou que a aposta em Londres estava certa: a bola pendeu para o lado de lá da rede e o filme foi um sucesso. A história de um ex-tenista que se apaixona pela namorada do amigo e futuro cunhado é contada através de lugares como o clube de ténis, o apartamento envidraçado junto a Tower Bridge ou o Hotel em Covent Garden. Londres está lá, do início ao fim, tal como um bocadinho de tudo o que já vimos de Woody Allen. A sua fixação (positiva, a nosso ver) com as pontes também.

Depois de Match Point, o realizador não teve tanta mestria a conduzir do lado direito do carro. Em Scoop (2006), uma jornalista americana persegue uma grande história e envolve-se com o suspeito da sua investigação, mas é a personagem de Allen, um mágico com muito humor, que cativa quem o vê. As ruas de Londres são também retratadas em O Sonho de Cassandra (2007), nas quais dois irmãos se tornam inimigos no crime, e mais recentemente em Vais Conhecer o Homem dos teus Sonhos (2010). Notting Hill e East Sussex são algumas zonas de Londres captadas pela sua câmara.
BARCELONA
Não é negativo que um filme se torne cartão de visita de uma cidade, desde que isso não lhe retire a singularidade que associamos imediatamente a Woody Allen. A verdade é que Vicky Cristina Barcelona (2008) quase o fez, através da captação dos principais pontos turísticos da cidade, como o Parc Güell, a Catedral ou Las Ramblas, quase como se tivesse sido criado para esse efeito. Felizmente Allen estava lá e criou, como é habitual, uma grande história de amor e drama para lhe oferecer.

Vicky e Cristina chegam a Barcelona e apaixonam-se pelo mesmo homem, que por sua vez tem uma relação tempestuosa com a ex-mulher. O ‘quadrado amoroso’ é seguido ao longo do filme, com a viagem a Barcelona a servir de pretexto para a “vida como obra de arte”. Penélope Cruz, Javier Bardem e Rebecca Hall juntam-se a Scarlett Johansson na investida pelas ruas catalãs.
PARIS
A cidade luz não poderia deixar de ser imortalizada por Woody Allen, seja de noite ou de dia. Já tinha apalpado o terreno com Toda a Gente diz que te Amo, também passado em Paris, mas muito superficialmente. Aqui o cineasta escolheu a noite, mais precisamente a Meia-Noite em Paris (2011). Parece que o que acontece depois da meia-noite é mágico; que junto à Escadaria de St Étienne do Mont embarcamos numa viagem aos loucos anos 20 e de lá não saímos indiferentes. É por isso mais underground, menos “postal”, não deixando de contemplar locais emblemáticos tais como o Museu Rodin, o Sacré Coeur, Montmartre, a Catedral de Notre Dame ou o Moulin Rouge.

A premissa é simples: Gil (Owen Wilson) vai casar com Inez (Rachel McAdams). Mas eis que, numa viagem à capital francesa, a sua vida muda na surreal noite parisiense e Adriana (Marion Cotillard) se torna a sua nova paixão e inspiração para a escrita. No filme passamos por locais como o Restaurante Polidor, a Rue de Fleurs ou o Musée des Arts Forains, para além de conhecermos autores e artistas famosos, como o casal Fitzgerald, Hemingway, Gertrude Stein ou Pablo Picasso. Paris é a cidade do amor, Gil é o escritor que precisa de encontrar a sua musa. Não precisa de procurar mais.
ROMA
Para Roma com Amor (2012) foi o seu último filme. Volta a ser protagonizado por Penélope Cruz, com Alec Baldwin, Roberto Benigni e outros atores conceituados no elenco. Mas a verdadeira estrela é mesmo Roma, a cidade eterna, mais uma capital europeia a ser distinguida por Woody. O presente e o passado de Roma misturam-se nas diversas histórias, dramas e romances de visitantes e moradores da cidade: um arquitecto que regressa à rua em que viveu, um jovem casal em lua de mel, um caça talentos de ópera e um trabalhador comum que se torna celebridade de um dia para o outro são os protagonistas.

Tudo isto com a romântica Roma em pano de fundo: a Piazza Venezia, a escadaria da Piazza di Spagna (spanish steps), La Garbatella, o Trastevere ou o Campo dei Fiori. O filme é uma ode à capital italiana, às suas pessoas, aos seus edifícios de cores quentes e às suas histórias ocultas, mesmo que as exploradas por Allen não sejam as mais extraordinárias. Podia ser passado em qualquer outra cidade europeia, podia. Mas Roma é Roma e há amores que só em Roma fazem sentido. Faltava-lhe experimentar esta cidade e a experiência saiu, como quase sempre, por cima.
RIO DE JANEIRO?
É uma hipótese que Woody e a irmã, a sua produtora, estão a considerar. O cineasta nunca foi ao Rio, mas “a impressão que tenho é de fotos, mitologias, bossa nova, coisas que cresci a ouvir e a ver. E as imagens da praia”, diz. Acrescenta que “o Rio é uma daquelas cidades românticas” mas que ainda não encontrou a história perfeita. “Para mim, o Brasil exige uma ideia muitíssimo glamourosa, romântica. Quando isso estiver resolvido será um enorme prazer filmar no Brasil”.
Imaginamos um plano do Corcovado acompanhado sonoramente por uma qualquer Garota do Ipanema. A cidade maravilhosa a ser palco de mais um romance requintado, inteligente e original de Woody Allen, falado em inglês e português. Quem sabe, talvez um Rodrigo Santoro no elenco. Quem sabe, talvez já em 2014.
LISBOA?
Os portugueses pedem: “Woody Allen, queremos ver-te a filmar em Lisboa”. Ele responde: “Teriam de me convidar e dizer que avançariam com o dinheiro”. E depois ficaria a faltar apenas a história: “Acho que para Lisboa teria de ser um filme romântico, porque está associada a romances ou a espiões. Tendo em conta que não conheço nenhuma boa história de espiões, provavelmente, teria de fazer um filme romântico”. Nós não nos importamos.

Um fã criou o movimento no Facebook, que três meses depois já tem logótipo e patrocínio, da GrandOptical, que se associou por a imagem de marca do cineasta serem os óculos. Sucedem-se as iniciativas para seduzir o realizador, como um cabaz com souvenirs de Lisboa e Portugal e outros produtos, procurando-se parceiros que queiram colaborar na entrega. Para além disso, um vídeo do making of dessa caixa por uma atriz portuguesa, com banda sonora nacional. Será que Woody cai aos nossos pés?
Mas ainda falta encontrar apoios privados para investir no filme… Depois sim, podemos começar a imaginar as paisagens lisboetas – o Castelo de S. Jorge, os eléctricos, o rio Tejo e toda a beleza da capital portuguesa – a circular pelo mundo num ‘filme postal’ de Woody Allen. Já merecia a homenagem!