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Ornatos Violeta: o fim da canção sem fim

Duas horas e meia foram mil anos e 35 canções uma vida. Não uma vida eterna porque tudo acaba. Esta noite foi de despedida, sim, mas não uma despedida vazia. Os Ornatos juntaram os amigos para relembrar êxitos dos anos 90 e para nos provar que o amor é isto. Ouvi dizer que não os deixaremos morrer.

Chegámos a horas ao Coliseu, ainda que não antes das 21h00, e nem reparei a que horas começou ao certo. Olhar para o relógio era tudo o que eu não precisava naquele momento. O ambiente era de espera ansiosa mas alegre, de euforia inquietante, de tantos fãs da geração Ornatos e outros mais jovens: os que, como eu, em 1991 estavam a nascer ou sequer tinham nascido.

Faixas etárias à parte, o Coliseu dos Recreios estava apinhado e recebeu a voz de Manel Cruz com a efusividade prevista para um momento daqueles. Aquecemos com Para Nunca Mais Mentir e Dama do Sinal, onde já entoavam coros de vozes. Estavamos confortáveis: sabíamos que os Ornatos são fiéis e, se prometeram revisitar o Cão! e O Monstro Precisa de Amigos, os dois álbuns, de 1997 e 1999, tocá-los-iam. E foi isso, mas não só.

Não se pode deixar de destacar o grande gesto que tiveram ao relembrar o primeiro vocalista da banda, Ricardo Almeida, dedicando-lhe uma canção sua: Sacrificar; “Onde quer que estejas, grande abraço, Ricardo”, disse Manel Cruz, mas a emoção foi transportada para toda a banda: Peixe, Nuno Prata, Elísio Donas e Kinörm partilhavam, sinceros, esta homenagem.

Há um ano que sabíamos que iam voltar para dizer adeus, há muitos mais que esperamos o reencontro. É impossível transcrever em texto o que foi a primeira noite desta longa despedida. É impossível dizer o que senti ao ouvir um Coliseu ao rubro com temas como Dia Mau, Chaga, Coisas, Ouvi Dizer, Capitão Romance, Nuvem ou Notícias de Fundo. Quem esteve lá sabe e, quem viveu com os Ornatos na sua juventude, saberá melhor que eu. Confesso que em muitos momentos invejei a idade de alguns, o conhecer antecipado daqueles reis da música cantada em português, mas que abdicam da coroa. Contagiar gerações é-lhes suficiente. As letras são, a meu ver, o grande factor diferenciador de qualidade que caracteriza esta banda; dizem-nos muito a todos e, no entanto, coisas diferentes.

Deixa Morrer teve um guitarrista sortudo: o João, um jovem do público, que provavelmente está ainda em êxtase por ter subido ao palco para tocar esta canção, como pedia no seu cartaz.“Acendeu-se a luz/Estão vivos outra vez” e disto, ninguém ouse duvidar.

Foi no final de Capitão Romance, que repetia vezes sem conta a célebre frase angustiada: “Eu vi/Mas não agarrei”,  que se deu o primeiro interregno. Não, ninguém acreditava que um grupo tão generoso nos deixasse assim. E estavamos certos, ainda voltariam para mais 3 encores, porque despedidas destas não acontecem todos os dias. Ainda faltava (e não podia faltar) o primeiro single Punk Moda Funk que pôs os fãs todos a mexer. Mas não ficaram por aqui: O Amor É Isto, Homens de Princípios, A Metros de Si (outra canção inédita)  e a belíssima Tempo de Nascer, uma canção de transe reflexivo com mais uma letra brutal: “É tempo de nascer devagar/Não quero ver o fim chegar/ Sem eu nascer devagar/Eu não quero ver o fim sem eu nascer”.

Mas o fim estava mesmo quase quase a chegar. Pré-final tivemos ainda a sorte de escutar Raquel, Marta, Chuva e para fechar Bebe e Cai, Pára-me Agora, que podia ser perfeitamente o fecho, mas não. Foi curiosamente com Dias de Fé que soubemos que os Ornatos não voltavam mais naquela noite. O que são duas horas e meia para celebrar tanto talento e genialidade? Eles agradeceram ao seu público, “sem vocês não estaríamos aqui”, diziam, mas o sentimento é mútuo. Nós é que agradecemos.

Um concerto mais do que competente, fluído e consistente, emocional, saudosista, com sotaque do porto e sem camisa logo na terceira ou quarta canção (como é costume!). Não faltou mesmo nada, ou melhor, sabe-se que deixaram O Fim da canção fora do alinhamento, o que não ficou nada mal. Afinal, sabemos que a canção, essa, não pode acabar.

*Por opção da autora, este artigo foi escrito segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945.

Fotografias: Flickr RTP/Antena3 Pedro A