Cais do Sodré bem frequentado com boa música portuguesa. Na noite de apresentação da nova gama de artistas da Optimus Discos, destaque muito positivo para The Doups.
Pontualidade britânica e sala cheia em todos os concertos. Chegámos a tempo de ouvir as últimas músicas do alegre Lucas Bora Bora na Pensão Amor, numa altura em que a fila já era desencorajadora.
Seguiram-se The Poppers, contratação de luxo da Optimus Discos. Sabendo que não havia tempo para muito, entraram sem cerimónias e a todo o gás. Raimundo não deixou os seus créditos por mãos alheias: surpreendeu a plateia ao sair do palco e, em Dogsom Blues, emprestou a guitarra a uma rapariga – «Juro que não a conheço!» -, posicionou-lhe a mão dos acordes e deixou-a brilhar. Com a incisiva Mrs. A e comentários que se atiram em concertos de rock ‘n’ roll pelo meio, despedem-se com Drynamill – a música que «nos tornou milionários» e que todos souberam acompanhar.
Miuda. Mel do Monte sobe ao palco mais envergonhada, a seu jeito, acompanhada pelo seu mentor musical, Pedro Puppe. Num formato mais despido, soou ainda mais límpida a voz terna da miúda alentejana. O que falta nas letras é compensado pela profundidade do seu olhar e a sua elegância. As variações de Onde me posso esconder e Meu amor merecem destaque, porque romperam com um ritmo quase sempre demasiado monótono. Qual cliché, Com quem eu quero fica para o fim; a única que voltou a fazer estremecer o soalho da Pensão.
Interessante o constante olhar de orgulho e aprovação de Pedro Puppe, como que um patriarca atento, durante toda aquela meia-hora. Já com o concerto acabado, respondendo a um rapaz que lhe pede para dormir com ela, Mel do Monte realça «Eu durmo com quem EU quero!». Sim, foi o melhor momento que nos proporcionou. Nota: resistimos e não fizemos nenhum trocadilho com “Pensão Amor” e “Miuda”.
A exiguidade dos corpos já era esperada e à meia-noite a rua já estava “intransitável”, repleta de caras de frustação, dignas de quem esperou e esperou para no final não ver nada. E assim foi durante toda a noite, tanto dentro como fora de cada uma das 5 salas.
Com um Musicbox lotado para os receber, os Souls of Fire chegaram, viram e venceram. Aquela que é considerada uma das melhores bandas nacionais de reggae precisou de apenas meia hora – tempo concedido a cada grupo – para conquistar os mais cépticos e reforçar o sentimento de partilha e união com os que os acompanham desde 2006. Aguerridos e comunicativos, os sete magníficos espalharam o ritmo jamaicano que lhes corre no sangue, contagiando o público com uma alegria e descontração que fluía por todo o espaço.
Num concerto dedicado à apresentação do seu novo trabalho, Pontas Soltas, editado pela Optimus Discos, o conjunto formado no Porto deu a conhecer temas como Lógica, num registo reggae roots, relaxado e com boa vibe, e É o que é, o seu primeiro single, onde a guitarra impera e os desvia da sonoridade a que já nos habituaram. «Como é Lisboa, vamos a isto, a mexer», aconselhava Diogo, o vocalista. E os presentes obedeciam, porque o som assim os obrigava. É impossível ficar-se indiferente ao chamamento tribal e libertário destes rapazes. O Musicbox não lhes resistiu, e atingiu a recta final do concerto com um mar de braços no ar, sincopados com a suave mas inquietante melodia que por ali voava.
Era hora de ir matar a curiosidade ao Lounge: The Doups, a tocar ao nível do público, davam início a um dos melhores momentos da noite. A sala a rebentar pelas costuras e toda a gente a delirar com guitarradas de mestre, sempre suportadas por uma brilhante bateria. Tudo correu bem aos setubalenses num concerto em que até uma falha da luz pareceu, à primeira vista, propositada: cantávamos então o refrão de I Said. Com toda a gente a pedir mais, o concerto acaba mesmo com Joyful – «Não nos deixam tocar mais. Prometemos outro concerto em Lisboa dentro de muito pouco tempo!». Smalltown Gossip já não é só uma promessa.
Num Europa pleno de admiradores e curiosos, Chullage, o rapper português da Arrentela foi um forte concorrente ao prémio de mais entusiasmante e emocionante artista da noite. Com uma sólida e reflectida mensagem, Chullage assume-se como um anti-sistema, um lutador pelo derrube do capitalismo, pela libertação dos seus. Sem medo de ferir susceptibilidades ou violar convenções, o rapper inicia a actuação com o tema De volta, aquecendo o ambiente e despoletando os primeiros aplausos. Segue caminho, comunicando incessantemente com o público. «Eu faço parto do milhão e duzentos mil que estão sem trabalho. Se estamos desempregados não é por não querermos trabalhar, mas sim porque não nos dão emprego».
Barrigas vazias é a música que logo se ouve, com o seu inconfundível beat, com a sua irrepreensível letra. Prossegue a apresentação do seu último trabalho, Rapressão, editado pela Optimus Discos, estremecendo com o tema Problema Social, que antecede Já não dá, a música que choca e apaixona, e que deixa os presentes em êxtase. Controverso mas assertivo, sem tento na língua, abre consciências e eleva espíritos. Uma mensagem de inconformismo e revolta, de inquietação e esperança. Esperança num mundo diferente.
No Musicbox, provavelmente o nome mais esperado da noite. O que é feito d’Os Pontos Negros? Ainda com o ego inchado depois da gravação do novo álbum em Londres, houve bons momentos – o novo single, Tudo Floresce, fica no ouvido -, mas regra geral não nos conseguiram conquistar. Quando se despedem com um «boa noite» seco, suspeitamos que teremos o primeiro encore da noite. Mas não, foi mesmo a pinta de vedeta que falou mais alto. Insistimos na opinião: ainda não conseguiram superar, em qualidade, o primeiro álbum.
Depois da D’Bandada no Porto, em Outubro do ano transacto, a Optimus Discos volta a alcançar sucesso semelhante. MusicBox, Lounge, Pensão Amor, Velha Senhora e Europa foram os anfitriões dos espectáculos, cuja entrada livre serviu de engodo para os milhares que invadiram o Cais do Sodré. No final da noite, e perante o claro êxito do evento, pareceu-nos que a Optimus Discos continua a investir no que de melhor se faz em Portugal, funcionando como um excelente mediador entre os grupos e o público.
Texto por Daniel Veloso, Francisco Morgado Gomes e Pedro Rebelo Pereira