Ao navegar pelo universo da música portuguesa, será tarefa herculeana confundir Blasted Mechanism com qualquer outro grupo. Criadores de um género até então submerso em Portugal, em 1995, Karkov e Valdjiu davam início à vida de um novo Ser: os Blasted Mechanism. Desde então que esse novo Ser não conhece limites, evoluiu, sofreu transformações e, inclusive, transfigurações, mas a alma, essa nunca se modificou. Agora, depois de 17 anos de vida, não há espaço para dúvidas: os Blasted são únicos.
A pouco e pouco a sala do Teatro Sá da Bandeira ia-se compondo, as expectativas aumentavam e o público começava a ansiar pelo início do espectáculo. Sim, porque concerto não será a denominação mais correcta; as luzes, os fatos, o palco, tudo isto o torna em muito mais do que um simples concerto. O grupo vinha apresentar o seu último álbum de estúdio: Blasted Generation. No palco, imponente, uma espécie de pirâmide. Inspirada em Metratron – figura que representa O Anjo Supremo – e no Hipercubo, a estrutura foi desenvolvida por Valdjiu e Rui Gato, responsável pelo Video Mapping.
Tal e qual como havia acontecido na Aula Magna, sala lisboeta, o grupo português entrava em palco trinta minutos depois da hora marcada. Munidos de novos fatos, desenhados por Ricardo Machado e materializados por Ana Sofia Antunes, a formação apresentou-se com Guitshu (voz), Valdjiu (bambuleco, banjo-bandola e kalachakra), Syncron (bateria), Ary (baixo), Winga (percussões e didgeridoo) e Zymon (teclas, guitarra e sitar eléctrica).
Blasted Generation foi o tema escolhido para o início fulgurante da viagem; a electrónica do tema que dá o nome ao álbum incute, desde logo, bastante energia ao público, pelo que não foi fácil ficar parado. Seguiu-se Are You Ready?, de outros tempos, nota prévia de que não seriam apenas as músicas do novo álbum a ser apresentadas, o que agradou bastante a todos os que se encontravam no TSB. Por esta altura o chão da sala de espectáculos do Porto já abanava, ao som de Blasted mas ao ritmo dos saltos daqueles que os ouviam.
Sem pouparem elogios ao público do Porto, os Blasted Mechanism apresentaram mais três faixas do novo registo, com o devido destaque a ser conquistado por Surrender, uma das músicas mais virtuosas e aguardadas de Blasted Generation. Eis que chegam as grandes composições do grupo português, aquelas que elevam o público à transcendência, presenteando-o com as mais futuristas sonoridades africanas e orientais. Falamos de Sun Goes Down, Battle of Tribes, Start To Move e Blasted Empire, músicas incontornáveis na carreira do grupo.
De volta ao Norte do país, a banda de Lisboa não deixou de relembrar o quão épico fora o espectáculo na Queima do Porto, no ano passado, no qual o público não arredou pé apesar da forte chuva que se abatia sobre o Queimódromo. Atom Bride Theme, dimensão onde o didgeridoo reina e os vocais se esquecem, comprovou o porquê de ser tomada como a melhor música alguma vez composta por Blasted Mechanism, levando o Sá da Bandeira ao clímax. Pouco depois, o grupo abandonava o palco e deixava o público a gritar por mais, pedia-se Karkov.
Não demorou muito para que a pirâmide se iluminasse de novo, o final guardava mais um par de temas do Blasted Generation, para assim findar a apresentação do álbum. Entre How Beautiful You Are e a já conhecida Puxa Para Cima, surge a inevitável e magistral Karkov, que tão bem nos leva ao leste europeu com os seus gritos de Nadabrovitchka. Os Blasted Mechanism deram o mote e o público nunca parou, foi assim no final tal como durante todo o concerto.
Os Blasted Mechanism, como que portadores de algo contagioso, raramente permitem que o público caia num estado de letargia, e o espectáculo de ontem não foi excepção. Combinando o novo álbum com o repertório mais aclamado, o grupo português conseguiu construir uma actuação bastante sólida, que, somada a todo o cenário gráfico, criou um espectáculo singular.
*Por opção do autor, este artigo foi escrito segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945