Uma das principais bandas da Cafetra Records (a par d’Os Passos Em Volta, grupo do qual também fazem parte), as Pega Monstro são um duo de Lo-Fi composto por Maria e Júlia Reis, duas irmãs que ganharam fama no início do ano passado com o lançamento do EP O Juno-60 Nunca Teve Fita (e a estrondosa Paredes de Coura). Agora, passado um ano e pouco, chega-nos o seu álbum de estreia, Pega Monstro, lançado a 9 de Março e que será hoje revisto aqui.
Caso não tenham sido contagiados pela viral Paredes de Coura, canção que se tornou hino oficioso do festival, fica aqui um aviso sério: a música que as Pega Monstro criam não é de digestão fácil, e é bem capaz de ferir as susceptibilidades de quem gosta da sua música certinha, direitinha e com boa qualidade de gravação. Pois bem, como qualquer banda Lo-Fi que se preze, as Pega Monstro não reúnem nenhuma dessas “qualidades”, e isso ficou bem patente em O Juno-60 Nunca Teve Fita, o EP que, confesso, me aguçou a curiosidade e me deixou na expectativa para um longa-duração. E depois de ouvir Pega Monstro posso dizer, de forma bastante segura, que essa expectativa foi bem recompensada.
Se há coisa que se nota logo em Pega Monstro é o facto de as manas Reis terem bem estudada a cartilha clássica do Lo-Fi. Toneladas de riffs pegajosos, uma distorção ofensivamente afiada e uma total despreocupação com os cânones e “regras” formais da música Pop mostram que estas raparigas andaram a ouvir o seu quinhão de Dinosaur Jr., R. Stevie Moore e Pavement antes de entrarem em estúdio. A juntar a isso há toda uma simplicidade Punk nas melodias e nos acordes, que faz com que este disco caia que nem ginjas aos amantes do Alternative Rock americano dos anos 90.
A produção, levada a cabo de forma analógica (num 4 pistas, tal como manda a “lei” do Lo-Fi) por B Fachada (ou, como lhe chamam as raparigas, “Tio B”), aparece aqui de uma forma tão crua, abrasiva e suja que quase parece pecaminoso ouvir este disco. Nas vozes, tanto Maria como Júlia mostram que já era conhecido de O Juno-60 Nunca Teve Fita; gritos e berros estridentes e desafinados, intercalados por um registo mais grave e calmo, mas que ainda assim se recusa a ser “certinho”.
É nas letras, porém, que temos um dos maiores “objectos de estudo” deste Pega Monstro. Apesar de ser um dos principais “alvos” dos detractores das manas Reis, a verdade é que o departamento lírico revela ser uma das grandes surpresas deste disco, com algumas canções a demonstrarem, debaixo de uma camada de parvoíce, escatologia e superficialidade, descrições bastante fiéis dos problemas e frustrações de uma rapariga jovem e pós-adolescente: versos como “Não quero virar lixo como os tios/ não quero virar carocho” (Carocho), “E o meu cão já morreu/ e eu não quero outro igual” (Akon) ou “Não tenho amigas (…) / só tenho amigos/ e a minha irmã” (Homosec) mostram bem isso.
Contudo, apesar de todas estas características positivas, Pega Monstro não é, a meu ver, um álbum perfeito. Um dos maiores defeitos que detectei neste disco foi a inconsistência, causada pela grande disparidade que existe entre as melhores e as piores canções. Isso, aliado ao facto de não haver uma linha condutora que una LP numa obra coerente e lógica fazem com que este Pega Monstro não chegue mais longe do que poderia.
Confesso que me senti bastante indeciso para escolher as minhas favoritas do disco, mas na hora de decidir, a cáustica Carocho, a estimulante Pall Mall ou a enérgica e desconcertante Akon foram as que mais puxaram. Pela negativa, destaco Homem das Obras, Savanna 74 e Afta, faixas que, a meu ver, mereciam um pouco mais de trabalho e brio.
Em suma, o disco de estreia das Pega Monstro traz-nos uma música cáustica e abrasiva, muito pouco recomendável a pessoas que procuram aqui um LP calminho e aprumado. Inspiradas pelo Alternative Rock norte-americano dos anos 90, Maria e Júlia Reis conseguiram, neste álbum, criar algo que poucas vezes se vê em Portugal: música com garra e tomates Punk capaz de agitar a modorra do status quo e de ofender a moral e os bons costumes mais tacanhos do nosso país. Pode não ser perfeito, mas uma coisa é certa: Pega Monstro está cheio de bons momentos, sendo bem capaz de encantar aqueles que gostam de música desafiante e a transbordar de sentimento.
Nota Final: 7,8/10
*Por opção do autor, este artigo foi escrito segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945