Depois da sua passagem por festivais de todo o mundo (por onde continua a digressão), e de, em Portugal, ter sido exibido no IndieLisboa, em Maio, e no MOTELx, em Setembro, O Barão chegou finalmente ao circuito comercial de cinema.
Edgar Pêra arriscou e realizou um dos melhores filmes do ano, fugindo completamente ao que se costuma fazer por cá. O filme, que o realizador classifica como sendo de “terror castiço”, traduz-se num espectáculo visual, com uma realização e direcção de fotografia de génio, e um texto cheio de mensagens nas entrelinhas. E quem também faz este filme triunfar é o elenco, com especial destaque, claro, para Nuno Melo, ele mesmo o Barão.
Uma equipa de filmes série B refugiou-se em Portugal durante a segunda Guerra Mundial. Em 1943, a produtora Valerie Lewton casou com um actor português que lhe traduziu o conto de Branquinho da Fonseca, O Barão. O ditador ouviu falar do filme que se estava a preparar e ordenou a sua destruição. A equipa foi repatriada e os actores deportados para o campo de concentração do Tarrafal, onde vieram a morrer mais tarde. Em 2005, nos arquivos do Cineclube do Barreiro foram encontradas duas bobines e o argumento do filme, que nos cinco anos seguintes, foi restaurado e refilmado. O remake do filme que não chegou a acontecer conta a história do Barão, um tiranete que aterroriza os habitantes de um aldeia da Serra do Barroso. Um inspector do ministério desloca-se ao local para tratar do caso de uma professora com atitudes pouco comuns, acabando por conhecer o Barão.
Tão simples e, ao mesmo tempo, tão diferente do que se pode esperar. Um argumento que nos faz recuar para os tempos da ditadura; diálogos simples, mas sempre com um duplo sentido, recheados de um humor subtil e mordaz; frases que ficam na cabeça (“Aqui quem manda sou eu”, “A vida é devorar”…), tudo isto, O Barão tem.
A juntar à parte narrativa, a imagem assume aqui um papel decisivo para a singularidade deste filme. A preto e branco, planos sobrepostos, a iluminação utilizada de forma brilhante, tudo contribui para o ambiente gótico d’ O Barão, que facilmente nos faz recordar o cinema expressionista de inícios do século passado. Para isso também contribuem os cenários, que parecem saídos da nossa imaginação. Repare-se, por exemplo, na aldeia, cujas casas e ruas têm um aspecto disforme, ou no próprio palácio do Barão. E é essa mesma imaginação que todo o filme faz por despertar. À excelente realização, junta-se o grande trabalho da direcção de fotografia, a cargo de Luís Branquinho, distinguido com uma menção honrosa no festival IndieLisboa.
E no género de uma fusão entre texto e imagem, Edgar Pêra resolveu jogar também com as legendas, em inglês, que surgem nos quatro cantos do ecrã. Mais nítidas ou desfocadas consoante a própria imagem, mais brilhantes ou quase “apagadas” consoante o próprio som. Lembra um pouco as legendas de Scott Pilgrim vs. The World, como alguém bem lembrou aquando da projecção d’ O Barão no MOTELx. Todavia, também este pormenor contribui para a genialidade do filme.
O som assume ainda um papel muito importante, quer pela banda sonora, quer pelas distorções nas vozes das personagens. São as Vozes da Rádio que dão música a este filme, participando também como actores, e a escolha do grupo não poderia ter sido mais apropriada. Já as distorções das vozes funcionam muitas vezes em conjunto com as de imagem e funcionam muito bem.
O elenco conta com as prestações de Nuno Melo, seguramente num dos seus melhores papéis de sempre, Marcos Barbosa, na pele do inspector algo inseguro e ingénuo, e Leonor Keil, na pele de Idalina, a criada de personalidade forte e que impõe respeito. “Mulher de quem a gente não tem medo não presta”, já dizia o Barão.
Todos os actores surgem com excelentes desempenhos, mas Nuno Melo destaca-se, claramente, pela exigência do seu papel. O Barão é uma personagem complexa, com tanto de dócil como de louco, e em quem as alterações de humor são uma constante. Tem plena noção de que “aqui quem manda” é ele, mas vive na saudade de um amor passado, que denuncia as suas fraquezas. Fisicamente, surge com um ar algo “vampírico”, sendo notórias as semelhanças entre o Barão e o vampiro Nosferatu, no filme de Murnau com o mesmo nome (Nosferatu, o Vampiro, 1922), um dos mais significativos dentro do expressionismo.
O Barão é provavelmente um filme que não agrada a todos. No entanto, ninguém lhe ficará indiferente nem poderá negar o excelente trabalho que foi feito. Um filme que nos leva ao passado e nos desperta os sentidos e a imaginação. O Barão é mais uma prova daquilo de que o cinema português é capaz.
9/10
Ficha Técnica
Título original: O Barão
Realizado por: Edgar Pêra
Escrito por: Luísa Costa Gomes, baseado no conto de Branquinho da Fonseca
Elenco: Nuno Melo, Marcos Barbosa, Leonor Keil, Marina Albuquerque, Paula Só
Género: Drama, Mistério
Duração: 105 minutos
Crítica escrita por: Inês Moreira Santos