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Cândida perdida

Estreou ontem Cândida – Uma História Portuguesa, no Teatro Aberto. Com a encenação a cargo de André Murraças e Paulo Ferreira e um argumento de André Murraças, a peça inspira-se na vida de Cândida Branca Flor, artista pop portuguesa dos anos 80 que tão depressa atingiu o auge como caiu no quase esquecimento.

É precisamente esta ironia da vida de um artista que motiva a peça, um monólogo de mais de uma hora em que Sílvia Filipe dá corpo e voz à cantora no seu camarim, em 1982, mesmo antes de actuar no Festival RTP da Canção. O monólogo é uma escolha inteligente: o estilo do género propicia, em geral, o drama e a solidão, o que se pretende transmitir. A intenção de demonstrar uma vida de altos e baixos, de fama e alegria nos cinco minutos de palco, e de solidão e sacrifício no camarim como na vida que levava está lá, mas não foi levada a cabo como se esperaria.

Quando se põe em palco uma personagem que vive, sozinha, momentos bipolares, uns de extrema alegria, outros de insegurança e drama, a linha que separa o muito bom do ridículo é ténue, e ao longo da peça é ultrapassada demasiadas vezes com momentos de expressão e movimentação em palco pouco naturais e textos que ninguém diria só, na sua intimidade (como esta a personagem). Há constantemente a impressão do artificial, do programado, do pensado.

O texto parte de uma boa ideia que não é o suficientemente explorada. A problemática do artista que faz tudo pelo seu público, que se entrega à máquina à sua volta e que é consumido por essa mesma máquina é recuperada continuamente. Há a sensação de estarmos a ouvir sempre o mesmo tipo de texto, não aprofundado, não indo tão longe quanto se gostaria, e dá comichão mental a teatralidade quase premente, que se deixa interromper por momentos vagos de felicidade do texto e da interpretação, de que é um claro exemplo a interpretação de Senhor Extraterrestre, canção escrita por Carlos Paião para Amália Rodrigues.

É especialmente castrador das capacidades do público a necessidade que parece haver de se ditarem e imporem pormenores históricos, ignorando a memória do espectador, assumindo-se uma técnica quase que de reconto. O auditório é assim pouco mais que passivo. O que está a ver é o que há, e com a falta de momentos perturbadores, não se fica a pensar assim tanto no assunto.

O ponto de partida da peça é sem dúvida interessante e reservava em si potencial: pela personagem que, apesar de viver em palco momentos ficcionados, é real, pelo retrato de uma época que era, em Portugal, de ruptura cultural com a ditadura passada, pela consciencialização do que é, muitas vezes, ser artista, pela portugalidade presente, pela actualidade do tema. Faltou naturalidade e um mundo por explorar.