«Avante Camarada, Avante Camarada e o Sol brilhará para todos nós!». A música e letra de Luís Cília, que datam de 1967, iniciam sempre, no comício de abertura, mais uma Festa do Avante!. São velhos e novos, grandes e pequenos, pretos e brancos, comunistas ou não. O Espalha-Factos convidou Sara Recharte, militante comunista, para nos dar o seu ponto de vista sobre um evento que já superou classes, idades e ideologias políticas – hoje uma festa de cultura com uma matriz cultural diferente.
A cultura marca presença em todos os cantos deste evento que, há 35 anos, assinala a rentrée política do Partido Comunista Português. É a Feira do Livro, a Feira do Disco e os concertos, que tanta gente chamam. É uma Festa para todos, esta que é a Festa de um povo que tanto sofreu e que deixou aos mais novos um legado de luta contra a opressão, o fascismo e a fome.
Se fosse um festival, a Festa do Avante! teria já acabado há muito. O cartaz não é o mais atractivo do Verão e o comício de abertura, à sexta-feira, e o de encerramento, ao Domingo, não são propriamente desejados pelo público mais jovem. O que faz, então, encher um parque de campismo na quinta-feira à tarde? O que provoca esta convivência de bébés de carrinho, crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos? Por que motivo são imensas as filas dentro do recinto? Por que razão é tão intenso o trânsito que ao Domingo abandona a Festa?
É este espírito de que todos somos feitos de uma única e mesma matéria, num sítio despido de preconceitos mas onde os mais velhos não se inibem de apontar o dedo aos filhos ou aos netos. Três dias em que não se esquece a agenda política nacional e a do Partido Comunista, mas onde a cultura e o lazer coexistem – são inúmeros os espaços para descansar sem ninguém nos chatear, sem haver alguém a perguntar-nos constantemente o porquê de ali estarmos.
Porém, talvez seja esta a pergunta mais significante: como se consegue organizar um dos mais importantes acontecimentos políticos deste pequenino Portugal apenas com trabalho voluntário? «Trabalho de borla», dizem uns. «São contra a exploração e depois os exploradores são eles!», dizem outros. Esclareçamos este ponto: aqui conta o voluntariado e a essência associativa e colectiva do trabalho. Ninguém trabalha obrigado, ninguém trabalha não querendo. São às centenas os que aqui se esforçam para proporcionar uma grande Festa do Avante!. E pagam o seu próprio bilhete, porque aceitá-lo seria já romper com esse voluntarismo essencial.
E os autocarros amontoam-se à entrada da Festa e, normalmente, saem lá de dentro os mais velhos que, do Algarve ao Minho, e a quem a saúde já em nada ajuda, fazem ainda questão de aqui vir e aqui dormir se assim tiver de ser. E lá têm o seu espaço – os dezoito distritos do Continente, os Açores e a Madeira, estão representados em restaurantes e quermesses. Passaram muito, sofreram muito, trabalharam muito. «Bem unidos façamos nesta luta final, uma terra sem amos, a Internacional!», diz a Internacional Comunista.
E falando em internacionalismo, este não escapa ao Avante!, como já lhe chamam os jovens que procuram mais divertimento do que anseios económicos, políticos e sociais. O Espaço Internacioanl conta com pequenos bares de Espanha, Cuba, China ou Palestina. E é raro o caso de alguém de lá sair sem uma boina à Che.
Ernesto Guevara, o Che, vê-se por todo o lado. Mas os heróis da Revolução em Portugal não ficam de lado. De Saramago a Álvaro Cunhal, não há esquecidos, nem mal-agradecimentos. Este ano comemora-se o centenário do nascimento dos escritores Manuel da Fonseca e de Alves Redol.
Os palcos são diversos, dos Novos Valores, ao da Juventude, do 25 de Abril (o principal), ao 1.º de Maio (uma espécie de RTP2 pela especificidade dos artistas que apresenta), isto sem contar com os palcos que cada organização distrital tem no seu espaço. As exposições são imensas e o teatro conta com um espaço privilegiado no Avanteatro. O desporto não fica de fora, com um campo de futebol para os que quiserem demonstrar os seus dotes com a bola e uma corrida para quem se inscrever, ao Domingo de manhã.
E é ao Domingo o dia em que se vê quem lá está, de facto, pelo Partido, pelo comunismo, pelo povo. Começa o comício com o secretário-geral do Partido Comunista Português e o palco 25 de Abril enche-se de camaradas. Todos os postos e organizações distritais são encerrados. O lado da plateia também se vai compondo, a pouco e pouco, nem que seja para alguns só dançarem a Carvalhesa no final, como admitem.
Fala-se do estado da economia, da política e da sociedade. Apela-se ao patronato que acabe, de uma vez por todas, com a precariedade em que enterrou os trabalhadores. Acusa-se o imperialismo americano, trata-se de Cuba e da Palestina. «Assim se vê a força do PC!» ou «Juventude Comunista Marxista-Leninista», pode ouvir-se a cada frase de Jerónimo de Sousa, por parte do público.
A parte mais emotiva é a final. Canta-se o hino nacional, canta-se Avante, Camarada!, o hino do PCP, e o hino da Internacional Comunista. Muitos choram, de mão cerrada e braço ao alto. Uns porque souberam o que significou não poder cantar estas músicas quando queriam, outros porque sabem a esperança que as canções lhe trouxeram.
Quem, felizmente, essas amarguras não trucidaram, imagina e tenta perpetuar o esforço dos avós e dos pais por uma sociedade mais livre, mais igualitária, mais justa, melhor. E eu sou das que choram. Choro sempre. Não pelo que vivi mas pelo que durante tantos anos ouvi e agora oiço da mesma forma, mas agora tentando encontrar novas formas de o «Sol brilhar para todos nós».
É isto a Festa do Avante!, são estas as pessoas que lá vão. Não comem as crianças, acolhem-nas de bom grado. Não são miúdos continuamente bêbedos – esses são minoritários para o espírito que envolve esta Festa onde parece que o tempo pára. Uma Festa que é serviço público, pela cultura que promove e pelo povo que representa. Mas este serviço público não está à venda. Nem nunca esteve.
Sara Recharte, militante do Partido Comunista Português – autora convidada.