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Blue Valentine: Amor Nu e Cru

À primeira vista, Blue Valentine pode parecer apenas mais uma história de amor a juntar a todos os filmes do género já realizados. Mas Derek Cianfrance quis fazer muito mais que isso. Acima de tudo, esta é uma história emocional, muito realista, crua e que, ao mesmo tempo, consegue ser tão bela e tão triste.

E é de dicotomias que Blue Valentine se constrói em muitos aspectos: Dean/Cindy, passado/presente, juventude/idade adulta, amor/desencanto… tudo isto e muito mais faz com que este filme independente, que obteve grande destaque nos festivais de Cannes, Sundance e Toronto, seja um dos melhores do ano, injustamente fora da corrida ao Óscar de melhor filme.

Blue Valentine conta a história de como o amor se descobre e se pode perder, onde toda a narrativa vai sendo contada alternando entre momentos do passado e do presente. Seis anos depois do amor entre os dois começar, Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) são agora um casal cujo casamento está em crise. Para tentar salvar a relação, decidem passar uma noite longe da filha, a pequena Frankie (Faith Wladyka), onde irão viajar entre promessas quebradas de um amor que está perto do fim. O início do filme faz logo antever que algo não está bem naquela família. E logo ali há uma perda, com o desaparecimento da cadela Megan, é aí que a história começa a ser contada.

O argumento escrito por Derek Cianfrance, Cami Delavigne e Joey Curtis é excelente. O realismo e a honestidade com que conta a história do casal são de arrepiar, sensação que ainda mais se adensa graças à realização e à direcção de fotografia, a cargo de Andrij Parekh. A forma como são colocadas e contadas de forma intercalada as duas histórias (que na realidade são apenas e só uma), a da felicidade do passado que consegue explicar a da decadência do presente, é brilhante. Um filme de quase duas horas, com poucas personagens, poderia ter tudo para se tornar cansativo para quem vê, no entanto, a construção de Blue Valentine só lhe dá ritmo, nunca o tornando monótono. Pelo contrário, esta dualidade passado/presente estabelece uma ligação com o espectador que cada vez fica mais envolvido.

Para tal também contribuem os muitos close-ups, por vezes sufocantes para quem assiste. Um dos momentos em que isto é evidente é na discussão que o casal tem no carro, a caminho do motel onde irão passar a noite. O uso e abuso dos planos aproximados chega a ser perturbador. Os contrastes luz/sombra que se poderão notar no filme também são importantes para intensificar o quão paradoxal é o que foi vivido no passado para o que está a acontecer no presente. Há mais luz na maior parte das cenas do passado (a cena do casamento é o exemplo máximo). Já o presente está envolvido em ambientes mais sombrios, onde, no motel onde o casal fica, o quarto do futuro (e onde o próprio futuro está em jogo) não tem janelas e a luminosidade tem um tom “blue” (azul/triste).

Quanto às personagens, Dean e Cindy foram criados quase como opostos. Começa-se logo pela profissão: ele pintor, ela enfermeira. Dean é um homem simples, pouco ambicioso, que acredita no amor à primeira vista, um romântico que, no presente, tenta tudo para salvar a sua relação com a mulher. É quase um “homem perfeito”, que só não o será dado o seu feitio complicado e o seu vício da bebida. Por seu lado, Cindy é “imperfeita”, descrente no amor, com uma péssima relação com os pais (cuja relação também era má), encontra na avó quem a compreende e lhe dá algum afecto. Contudo, isso não chega, e Cindy parece procurar o amor que não tem em casa fora dela, em relações fugazes, e onde acaba por também não o encontrar. Ao conhecer Dean tudo parece diferente, mas o desencanto acaba por chegar, e Cindy, ao contrário do marido, parece não fazer qualquer esforço para que a situação melhore. Esta personagem faz-nos crer que nem sequer tem amor por si própria. É uma mulher magoada, muito provavelmente devido ao amor que lhe faltou em casa.

As diferenças físicas das personagens passados estes seis anos de casamento, que se notam mais fortemente na personagem de Gosling, espelham bem todo o desgaste da relação. Dean surge mais desleixado, com grandes entradas. Cindy aparenta um ar mais pesado e triste.

A escolha de Ryan Gosling e Michelle Williams para protagonizar Blue Valentine não poderia ter sido mais acertada. É impossível dizer qual deles está melhor. A interpretação e entrega de ambos é incrível e a empatia entre os dois é enorme, o que resultou num dos pares mais credíveis dos últimos tempos, provavelmente. Williams viu o seu talento reconhecido com a nomeação para melhor actriz principal nos Globos de Ouro e agora também para os Óscares. Por sua vez, Gosling, que esteve nomeado para melhor actor principal nos Globos de Ouro, foi esquecido nos Óscares, algo que considero imperdoável para uma das melhores (senão a melhor) interpretações do ano.

A banda sonora merece destaque, cujos temas pertencem, na sua maioria à banda norte-americana Grizzly Bear. Temas calmos e melancólicos, alguns deles somente instrumentais, contribuem para toda a atmosfera deste drama. Também o próprio Ryan Gosling (que para além de actor é também vocalista da banda Dead Man’s Bones) interpreta um tema em Blue Valentine. You Always Hurt The One You Love, canção que surge no trailer do filme, resume bem a sua ideia geral.

O êxtase da felicidade no passado e a degradação da relação no presente, fazem com que o final de Blue Valentine seja do mais emotivo e bem conseguido possível. Neste filme, não é preciso ser-se romântico para se deixar envolver, até porque, como referi no início, esta não é apenas mais uma história de amor. Tudo nos liga a Cindy e Dean. Eles podiam ser nossos vizinhos, nossos amigos, nossos familiares ou nós mesmos.

9/10

Ficha Técnica:

Título original: Blue Valentine

Realizado por: Derek Cianfrance

Escrito por: Derek Cianfrance, Cami Delavigne, Joey Curtis

Elenco: Michelle Williams, Ryan Gosling

Género: Drama, Romance

Duração: 112 minutos

Crítica escrita por: Inês Moreira Santos

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