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A Recordar: Peter O’Toole

A rubrica A Recordar, iniciada em 2012, está de volta ao Espalha-Factos. Vamos voltar a relembrar atores e atrizes que tenham marcado a sua época, mas que caíram em esquecimento ou não foram suficientemente reconhecidos. Percorreremos atores de diversas décadas, até à atualidade. Falaremos da sua vida, carreira, papéis mais icónicos e do legado que deixaram.

Deixou-nos há um ano este ator que encontrou uma ascensão fulminante ao protagonizar Lawrence da Arábia, épico de guerra realizado por David Lean, e a partir daí, nunca mais parou: Peter O’Toole desdobrou-se em inúmeros personagens, em máscaras e fantasmas históricos ou alegóricos que suscitaram o agrado de várias gerações.

Nomeado oito vezes para os Oscars, O’Toole não venceu em nenhuma (um recorde que, até ao momento, não foi ultrapassado), arrecadando apenas um prémio de homenagem da Academia. Mas não é por causa desta inteligência dos “académicos” que elegem os possuidores das estatuetas,  que podemos esquecer o talento de um artista trabalhador, e que soube vencer tanto em dramas como comédias, no grande ecrã, no mais pequeno e também nos palcos de todo o mundo.

Começou em 1955 uma carreira no teatro que se estendeu por várias décadas (e cujas aclamações se mantiveram ao longo desse período), e só nos anos 60 é que conseguiu chegar ao cinema, depois de algumas aparições na televisão no final da década passada. Começando com papéis secundários (como na produção da Disney Raptados, e no filme Sombras Brancas, realizado por Nicholas Ray), Peter O’Toole rapidamente encontrou a fama (ao contrário de muitos dos seus contemporâneos) graças a Lawrence da Arábia [1962].

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Super produção histórica e épica, representativa de uma Hollywood em contínuo combate com o poder da televisão, é uma versão ficcionada da vida do militar T.E. Lawrence, uma figura perturbada pelas convicções que o movem, e pelo desenrolar dos acontecimentos que testemunha durante uma missão, em plena II Guerra Mundial. Além de ter sido um fenomenal êxito de bilheteira e de crítica, Lawrence da Arábia venceu sete Oscars, e Peter O’Toole esteve, pela primeira vez, nomeado – mas perdeu contra Gregory Peck e o seu desempenho em Na Sombra e no Silêncio. No filme contemplamos uma transfiguração psicológica que raramente conseguimos encontrar no cinema clássico americano, e que mostra as surpreendentes capacidades interpretativas de O’Toole – e ainda chegariam muitos outros grandes personagens para interpretar.

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Outra interpretação notável de Peter O’Toole foi a que se seguiu ao papel que o imortalizou. Ao fim de dois anos sem trabalhar em cinema, o ator regressa com Becket [1964]. No filme, ele é o rei Henrique II de Inglaterra, que contracenou com Richard Burton num drama sobre a amizade entre dois homens e a relação com a hierarquia estabelecida pelo sistema monárquico. Venceu um Oscar para Melhor Argumento Adaptado, e O’Toole voltou a ser nomeado – sem ter resultado, como já sabemos.

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Nos anos seguintes vieram alguns desempenhos curiosos, como em Lorde Jim de Richard Brooks, e na excêntrica e bizarra comédia Que Há de Novo Gatinha?, protagonizada por Peter Sellers. Vimos também o ator a fazer par com Audrey Hepburn numa outra comédia, menos satírica mas muito mais romântica e clássica, em 1966: chamava-se Como Roubar um Milhão e foi realizada pelo veterano William Wyler.

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Em 67, Peter O’Toole contracenou de novo com Omar Sharif (depois da dupla que fizeram em Lawrence da Arábia) e brilhou em A Noite dos Generais, de Anatole Litvak – um filme passado na II Guerra Mundial, sobre uma investigação, feita dentro do sistema nazi, por causa de um crime violento, e com circunstâncias misteriosas, ocorrido em Varsóvia. Graças a este drama bélico, foi homenageado na cerimónia dos prémios David di Donatello, com a distinção de Melhor Ator Estrangeiro.

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1968 foi o ano da terceira nomeação para o Oscar, pelo filme premiado O Leão no Inverno, de Anthony Harvey (responsável pela montagem de filmes como Dr. Strangelove e O Espião Que Saiu do Frio). É a adaptação de uma peça de teatro onde Peter O’Toole interpreta novamente o papel do rei Henrique II, mas desta vez, a história é diferente, envolvendo as ambições cegas provocadas pelo jogo de poder, na disputa em que entram os três filhos do monarca para saberem qual deles sucederá no trono – e várias são as tentativas deles e da sua mãe (interpretada por Katharine Hepburn, que conseguiu uma estatueta pelo seu desempenho), para fazer Henrique II tomar uma decisão.

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Adeus, Mr. Chips, de Herbert Ross, foi o filme que Peter O’Toole protagonizou no desfecho da década de 60, e que lhe valeu mais uma nomeação da Academia. Trata-se de um drama musical ligeiro, que gira à volta de um romance que envolve duas pessoas de feitios opostos: um ex-professor tímido e uma extrovertida artista do showbiz.

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A entrar nos anos 70, o realizador Peter Yates (de Bullitt) utiliza O’Toole para protagonizar Duelo à Beira do Rio, um drama sobre os últimos dias da II Guerra Mundial. Mas aquele que viria a ser o desempenho mais famoso do ator nessa década chegaria em 1972, com o filme The Ruling Class (inédito no nosso país, ao que parece). É uma comédia que obteve um estatuto de culto após a sua estreia, em que O’Toole é Jack, um homem que herda uma fortuna… e que pensa que é Jesus Cristo! E por isso, alguns membros da família do protagonista, movidos pela ganância, tentarão retirar a herança a Jack. O resultado é uma narrativa que toma proporções irreverentes, e uma prestação que, mais uma vez, levou o ator a ser nomeado para um Oscar.

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Os anos seguintes da década foram marcados por um ritmo regular de participações em cinema, se bem que menos interessantes e apelativas do que as que lançaram Peter O’Toole para o mediatismo internacional. Mas há que destacar o filme final dos anos 70, e que é uma das fitas mais controversas da contemporaneidade: Calígula, uma reconstituição chocante, violenta e repugnante da vida ociosa do mais infame dos Césares da Roma Antiga, em que O’Toole é o megalómano imperador Tiberius. Realizado por Tinto Brass e protagonizado por Malcolm McDowell, o filme recebeu, na altura do seu lançamento, críticas e reações negativas vindas de todo o mundo – algo que não mudou com o passar dos anos.

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Mas logo em 1980, volta a chamar a atenção (e por bons motivos, ao contrário do que se passou com Calígula), recebendo, pela sexta vez, uma nomeação dos membros da Academia, com The Stunt Man – O Fugitivo. Realizado por Richard Rush, o filme conta a história de Eli, um fugitivo que, acidentalmente, entra na rodagem de um filme, exatamente no momento em que é necessário um novo duplo. Eli aceita o trabalho para conseguir esconder-se daqueles que o perseguem, e entretanto, o romance acontece. Um filme de ação, com algo de comédia, que demonstrou mais uma vez, as capacidades versáteis do talento de Peter O’Toole.

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A penúltima vez que O’Toole seria um alvo dos Oscars (para de lá sair outra vez de mãos a abanar) deu-se com o filme Meu Ano Favorito, de 1982. É uma comédia satírica realizada por Richard Benjamin sobre a televisão e o sistema de fama proporcionado pelo pequeno ecrã, em que o ator interpreta uma antiga vedeta dos programas infantis de uma estação televisiva, que, no presente, se encontra esquecida e arruinada, e que é convidada para reaparecer num talk-show.

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E por falar em TV, é nela que Peter O’Toole concentra grande parte do trabalho audiovisual que fez na década de 80. Mas há ainda um filme dessa década que merece destaque, mesmo que, com ele, nem uma nomeação o ator conseguiu obter para os Oscars – uma injustiça tão grande para além do real desprezo dado pela Academia ao longo da sua carreira. Falamos de O Último Imperador, épico lindíssimo de Bernardo Bertolucci sobre Pu Yi, o último imperador da China, que sentiu na pele os tempos conturbados de mudança de regime no país. O ator é Reginald Johnson, o homem que se torna tutor do imperador nos anos de passagem da juventude para a idade adulta, e que lhe tenta ensinar tudo o que não passa pelo conservadorismo da Cidade Proibida – e das pessoas que regulam o sistema imperial.

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Apesar de, nos anos 90, Peter O’Toole ter começado a abrandar e a trazer menos projetos relevantes, vale ainda a pena mencionar um muito curioso, assinado por Alejandro Jodorowsky: The Rainbow Thief marca um novo encontro com Omar Sharif, numa história de fantasia sobre a procura do eterno pote de ouro que se encontra do outro lado do arco íris. Diferente dos outros filmes que Jodorowsky realizou, este parece ter sido, por isso, esquecido pela opinião pública. Mas é digno de nota, pura e simplesmente, pelos nomes que envolveu – mesmo que a sua produção não tivesse sido fácil, e que o realizador não tenha ficado nada satisfeito com o produto final.

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No século XXI, Peter O’Toole faz pequenas participações em filmes como Tróia, Lassie, Ratatui e a série Os Tudors. São papéis que em nada revelam a genialidade de outrora. E é em 2003 que a Academia o homenageia com um prémio honorário, quatro anos antes de lhe “oferecer” uma última nomeação, pelo filme Venus… mas obviamente, não foi essa a prestação distinguida com o Oscar. Contudo, é tida por muitos como o último papel marcante de O’Toole, numa comédia dramática sobre o envelhecimento e a sua relação com o mundo, com a juventude e com o conflito de gerações.

Em 2012, aos 79 anos, Peter O’Toole decidiu abandonar a carreira profissional, tanto no teatro como nos dois ecrãs. Apercebeu-se que aquela era a altura certa de se retirar de cena, e um ano depois, viria a falecer em Londres, no país que viu nascer e crescer o seu talento. O espólio artístico do ator é incrível e inesquecível, e apesar da falta de prémios, sempre foi acarinhado pelo público, ao longo de toda a sua vida. E interpretações como as de T.E. Lawrence ficarão para a História como um marco na evolução da representação cinematográfica.

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