O Espalha-Factos terminou. Sabe mais aqui.
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FARCUME’14: Humor para o bem e para o mal

O segundo dia do FARCUME trouxe vários tipos de humor consigo: uns, bem encapsulados no invólucro que o seu realizador tão afincadamente estudou, e outros numa salganhada ignóbil de dimensões bíblicas.

A noite começou (novamente) com uma das piores experiências do festival. Cova da Iria, do brasileiro Jacinto Moreno, foi uma tentativa, em tudo amadora, de contar a história dos pastorinhos de Fátima. Embora o carinho dos envolvidos estivesse patente em cada frame, a sua ignorância em relação aos processos que envolvem contar uma história em filme fizeram com que esta curta se transformasse numa piada de 9 minutos.

Com algumas caras conhecidas, A cor dos sonhos, de João Pina, não tinha uma premissa muito cativante, mas ainda assim prometia força genuína e qualidade. No entanto, a ambiguidade desta produção tornou-a numa bizarria completa. Embora o enredo tenha uma presença real e o realizador demonstre (ocasionalmente) um estilo próprio, não existe solidez na edição e na direcção de atores. Combinando isto com as estranhas “alavancas” que despoletam os sentimentos dos protagonistas, A cor dos sonhos fica-se pelo limbo.

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Paradise Beach foi a primeira luz positiva da noite. Rápida e eficaz, parva mas sólida na maneira como se conduz, esta cómica curta de Dave Lojek sabe o que é e não tenta ser mais do que isso. Pode ser vista na íntegra online.

http://vimeo.com/67636513

Dentro del Tunel foi uma experiência revigorante. Claramente uma curta com muito trabalho por trás, esta história de “terror” tem uma introdução que remete, nostalgicamente, para a série televisiva Arrepios, mas também para as clássicas aberturas de Alfred Hitchcock Apresenta… E por falar em Hitchcock: a influência do mestre do suspense é quase palpável, fazendo-se notar quer pela cinematografia, quer pela inserção de pequenos trejeitos humorísticos enquanto a tensão aumenta. Somos também remetidos para The Shining devido ao jovem protagonista, que, apesar da tenra idade, consegue “amadorizar” muitas das performances que passaram por este festival.

http://vimeo.com/67743188

O filme espanhol Un lugar mejor tem uma forte componente satírica, um irónico enredo e um conjunto de jovens atores que podem ter algum futuro. Embora sem grande “espalhafato”, esta obra de Marisa Crespo e Moisés Romeira expressa uma das mais inteligentes e verídicas mensagens do festival inteiro: quem está mal, muda-se.

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Buenos Aires é um filme que sabe o valor de um título. Embora lento e com um enredo em nada espectacular, utiliza a cinematografia e esse mesmo enredo para sua vantagem, conduzindo o público a uma melodiosa gargalhada geral. Onze minutos de preliminares culminam numa fantástica cena final, onde a banda sonora é definitivamente o ponto forte.

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De Shekar Bassi, No Love Lost tem várias faces. Por um lado é um comentário social assumidamente cru; por outro é um triângulo amoroso, com contornos vistosos e contrastantes; e consegue ainda ser uma curta sem muito espaço para desenvolvimentos humanos fastidiosos. As personagens são o que são, e não se alteram. Com uma pitada de América Proibida (American History X) e de Gostam Todos da Mesma (Rushmore),No Love Lost consegue fugir de rótulos, mantendo um cunho de qualidade inegável.

http://vimeo.com/94457055

Second Wind, do russo Sergey Tsyss, foi a obra mais singular que aqui apareceu. A cinematografia é deliciosa, lembrando (de várias maneiras) Andrei Tarkovsky, num misto de ficção científica e realidade “alternativa”. Ainda que o over-acting do protagonista lhe roube alguns pontos, parece-me pouco provável que alguma curta lhe venha a roubar o trono de enredo mais original do festival.

No final da 2ª parte fomos presenteados com uma produção que raramente se vê em solo português. Maria, de Joana Viegas, nunca é totalmente explícita, mas deixa perceber o suficiente para aterrorizar. Com uma cinematografia fortíssima, uma clara inspiração no sueco Deixa-me Entrar e os atores certos nos papéis certos, Maria padece apenas da sua lentidão no desenvolvimento da história. Com quase 25 minutos de duração, esta curta merece, sem dúvida ser visitada uma e outra vez: se o público tiver estômago.

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O Berço Imperfeito, de Mário Ventura, conta a história de dois amigos de infância agora na idade adulta: um escritor com bloqueio e a sua musa. Para voltar a escrever ele acha que tem de se tornar mais íntimo com a sua amiga: e mesmo tendo em conta o facto de este estar confinado a uma cadeira de rodas, o enredo continua a ser dos menos originais que por passou no FARCUME. Com valores de produção assinaláveis e atores bastante credíveis, esperava-se mais deste projecto.

http://vimeo.com/78419796

Por vezes menos é mais. Merry Christmas, uma curta espanhola de 2 minutos comprova-o plenamente. Original, com um uso inteligente de música, é fácil perceber o porquê desta ter sido a causa da maior gargalhada da noite. Pode ser vista na íntegra online.

E por vezes mais é menos. Straight to Rem, uma curta austríaca, é um exagero completo. Demasiados dutch angles, demasiada expressividade do protagonista e demasiadas coincidências no enredo. Embora o uso de luz e a edição sejam competentes, não chegam para aplacar o diálogo horrendo e o seu principal veículo: uma mulher que parecia estar num casting para um filme pornográfico. Ocasionalmente engraçado, mas nada sério.

Veredas, de Marcos Di Aurélio, é um atentado contra a 7ª arte. Incompreensível, irreflectido e irracional são alguns dos adjectivos que se lhe podem colocar. Com uma duração brutalmente morosa de 15 minutos, a maior parte do público saiu do recinto antes mesmo de ter decorrido um terço desse tempo.

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Um erro, pois a noite encerraria numa nota alta. O britânico Love at first Sight, já com vários títulos internacionais no currículo, é um dos melhores exemplos de comédia romântica que se pode encontrar. Utilizando sons e silêncios para substituir o diálogo, conta uma história que pode ser universalmente compreendida. A cinematografia, embora imperfeita, consegue admiravelmente encapsular o ambiente. Misturando comédia, drama e até uma mensagem de esperança, esta é uma vitória para todos os envolvidos na sua concepção.

Destaque ainda para o maior aplauso da noite: o documentário de Afonso Sousa, Onde tu fores vou lá estar. Fazendo um tributo à claque do Sporting Clube Farense, os South Side Boys, esta obra espelha perfeitamente o amor que as gentes da capital algarvia sentem pelo desporto rei e pelo clube da sua cidade. Com entrevistas a alguns dos membros originais, imagens de arquivo dos primórdios da claque e dos apoiantes atuais, o jovem realizador mostra que sabe como contar uma história. Pode ser vista na íntegra online.

Embora algumas curtas sejam assumidamente piores, o festival continua com uma excelente média em termos de qualidade, sendo por isso de aproveitar os dois últimos dias na companhia do Espalha-Factos.

  1. Atentado, Diogo Simão, é falar sobre uma produção de outro país, com peculiaridades regionais e registros antigos como o que foi tratado no curta, inclusive sobre um assunto que herdamos de um Portugal antigo que você não poderia conhecer não fosse em busca de tal história.

    O narrado no curta é ricamente tropicalizado entre o divino e o profano de uma forma humanística, muito longe do que era praticado em sua terra de forma mecânica e fria.

    1. Boa noite.

      Não critiquei de forma alguma os registos/cultura expostos no filme, apenas os processos que foram utilizados na montagem da curta-metragem. Quando comparado lado a lado com as outras produções em exibição, a sua era claramente de índole mais amadora e sem grandes argumentos para rivalizar com qualquer uma delas.

      Os timmings na criação do suspense arrastam-se sem qualquer desfecho, os frames estão cortados em sitios inoportunos, o diálogo e decisões das personagens são muitas vezes incompreensíveis… E isto é apenas o que me lembro.

      Independentemente da herança cultural que os nossos países partilham, diria o mesmo acerca do seu filme se tivesse sido feito em Portugal.

      Encorajo-o a gravar uma nova curta -metragem, desta feita com um maior cuidado e preparação. Se assim fizer, nada me dará maior prazer do que ser o primeiro a elogiá-la.

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