O segundo dia do FARCUME trouxe vários tipos de humor consigo: uns, bem encapsulados no invólucro que o seu realizador tão afincadamente estudou, e outros numa salganhada ignóbil de dimensões bíblicas.
A noite começou (novamente) com uma das piores experiências do festival. Cova da Iria, do brasileiro Jacinto Moreno, foi uma tentativa, em tudo amadora, de contar a história dos pastorinhos de Fátima. Embora o carinho dos envolvidos estivesse patente em cada frame, a sua ignorância em relação aos processos que envolvem contar uma história em filme fizeram com que esta curta se transformasse numa piada de 9 minutos.
Com algumas caras conhecidas, A cor dos sonhos, de João Pina, não tinha uma premissa muito cativante, mas ainda assim prometia força genuína e qualidade. No entanto, a ambiguidade desta produção tornou-a numa bizarria completa. Embora o enredo tenha uma presença real e o realizador demonstre (ocasionalmente) um estilo próprio, não existe solidez na edição e na direcção de atores. Combinando isto com as estranhas “alavancas” que despoletam os sentimentos dos protagonistas, A cor dos sonhos fica-se pelo limbo.
Paradise Beach foi a primeira luz positiva da noite. Rápida e eficaz, parva mas sólida na maneira como se conduz, esta cómica curta de Dave Lojek sabe o que é e não tenta ser mais do que isso. Pode ser vista na íntegra online.
Dentro del Tunel foi uma experiência revigorante. Claramente uma curta com muito trabalho por trás, esta história de “terror” tem uma introdução que remete, nostalgicamente, para a série televisiva Arrepios, mas também para as clássicas aberturas de Alfred Hitchcock Apresenta… E por falar em Hitchcock: a influência do mestre do suspense é quase palpável, fazendo-se notar quer pela cinematografia, quer pela inserção de pequenos trejeitos humorísticos enquanto a tensão aumenta. Somos também remetidos para The Shining devido ao jovem protagonista, que, apesar da tenra idade, consegue “amadorizar” muitas das performances que passaram por este festival.
O filme espanhol Un lugar mejor tem uma forte componente satírica, um irónico enredo e um conjunto de jovens atores que podem ter algum futuro. Embora sem grande “espalhafato”, esta obra de Marisa Crespo e Moisés Romeira expressa uma das mais inteligentes e verídicas mensagens do festival inteiro: quem está mal, muda-se.
Buenos Aires é um filme que sabe o valor de um título. Embora lento e com um enredo em nada espectacular, utiliza a cinematografia e esse mesmo enredo para sua vantagem, conduzindo o público a uma melodiosa gargalhada geral. Onze minutos de preliminares culminam numa fantástica cena final, onde a banda sonora é definitivamente o ponto forte.
De Shekar Bassi, No Love Lost tem várias faces. Por um lado é um comentário social assumidamente cru; por outro é um triângulo amoroso, com contornos vistosos e contrastantes; e consegue ainda ser uma curta sem muito espaço para desenvolvimentos humanos fastidiosos. As personagens são o que são, e não se alteram. Com uma pitada de América Proibida (American History X) e de Gostam Todos da Mesma (Rushmore),No Love Lost consegue fugir de rótulos, mantendo um cunho de qualidade inegável.
Second Wind, do russo Sergey Tsyss, foi a obra mais singular que aqui apareceu. A cinematografia é deliciosa, lembrando (de várias maneiras) Andrei Tarkovsky, num misto de ficção científica e realidade “alternativa”. Ainda que o over-acting do protagonista lhe roube alguns pontos, parece-me pouco provável que alguma curta lhe venha a roubar o trono de enredo mais original do festival.
No final da 2ª parte fomos presenteados com uma produção que raramente se vê em solo português. Maria, de Joana Viegas, nunca é totalmente explícita, mas deixa perceber o suficiente para aterrorizar. Com uma cinematografia fortíssima, uma clara inspiração no sueco Deixa-me Entrar e os atores certos nos papéis certos, Maria padece apenas da sua lentidão no desenvolvimento da história. Com quase 25 minutos de duração, esta curta merece, sem dúvida ser visitada uma e outra vez: se o público tiver estômago.
O Berço Imperfeito, de Mário Ventura, conta a história de dois amigos de infância agora na idade adulta: um escritor com bloqueio e a sua musa. Para voltar a escrever ele acha que tem de se tornar mais íntimo com a sua amiga: e mesmo tendo em conta o facto de este estar confinado a uma cadeira de rodas, o enredo continua a ser dos menos originais que por passou no FARCUME. Com valores de produção assinaláveis e atores bastante credíveis, esperava-se mais deste projecto.
Por vezes menos é mais. Merry Christmas, uma curta espanhola de 2 minutos comprova-o plenamente. Original, com um uso inteligente de música, é fácil perceber o porquê desta ter sido a causa da maior gargalhada da noite. Pode ser vista na íntegra online.
E por vezes mais é menos. Straight to Rem, uma curta austríaca, é um exagero completo. Demasiados dutch angles, demasiada expressividade do protagonista e demasiadas coincidências no enredo. Embora o uso de luz e a edição sejam competentes, não chegam para aplacar o diálogo horrendo e o seu principal veículo: uma mulher que parecia estar num casting para um filme pornográfico. Ocasionalmente engraçado, mas nada sério.
Veredas, de Marcos Di Aurélio, é um atentado contra a 7ª arte. Incompreensível, irreflectido e irracional são alguns dos adjectivos que se lhe podem colocar. Com uma duração brutalmente morosa de 15 minutos, a maior parte do público saiu do recinto antes mesmo de ter decorrido um terço desse tempo.
Um erro, pois a noite encerraria numa nota alta. O britânico Love at first Sight, já com vários títulos internacionais no currículo, é um dos melhores exemplos de comédia romântica que se pode encontrar. Utilizando sons e silêncios para substituir o diálogo, conta uma história que pode ser universalmente compreendida. A cinematografia, embora imperfeita, consegue admiravelmente encapsular o ambiente. Misturando comédia, drama e até uma mensagem de esperança, esta é uma vitória para todos os envolvidos na sua concepção.
Destaque ainda para o maior aplauso da noite: o documentário de Afonso Sousa, Onde tu fores vou lá estar. Fazendo um tributo à claque do Sporting Clube Farense, os South Side Boys, esta obra espelha perfeitamente o amor que as gentes da capital algarvia sentem pelo desporto rei e pelo clube da sua cidade. Com entrevistas a alguns dos membros originais, imagens de arquivo dos primórdios da claque e dos apoiantes atuais, o jovem realizador mostra que sabe como contar uma história. Pode ser vista na íntegra online.
Embora algumas curtas sejam assumidamente piores, o festival continua com uma excelente média em termos de qualidade, sendo por isso de aproveitar os dois últimos dias na companhia do Espalha-Factos.