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N’ O Palácio da Meia Noite com Zafón

Curiosamente (ou não) já li todos os que existem traduzidos para português do autor. Para situar o leitor desta crítica, este texto recai sobre o último livro de Zafón que saiu em Portugal – O Palácio da Meia Noite – sendo que este faz parte da Trilogia da Neblina (juntamente com Marina e Luzes de Setembro, este último, ainda não se encontra traduzido para português.) 

É muito difícil escrever sobre um dos meus autores preferidos. Carlos Ruiz Zafón deu-se a conhecer a mim, jovem leitora, há alguns 4 ou 5 anos, quando vi alguém a rir num consultório de dentista, enquanto lia a sua obra-prima A Sombra do Vento, pensei: “Tenho de ler este livro, parece ter piada”. A sensação de o ler foi única, tão inexplicável que só posso usar do cliché habitual e dizer que esse livro em especial mudou a minha vida e não tem só “piada”, mas tem magia dentro de si. Nunca consegui despegar a minha existência das suas personagens, nem de parar de olhar o mundo à minha volta sob o filtro de Daniel Sempere, aquele menino de 11 anos que amava os seus livros e que, um dia, visita o Cemitério dos Livros Esquecidos, o segredo que (também) mudara a sua vida para sempre… De todos os livros que li do escritor espanhol, sem dúvida, que A Sombra do Vento (de 2001) foi o mais marcante, mas todos aqueles que pertencem a este autor oriundo de Barcelona, tem o seu quê. Isso pode ser, de certo modo, a minha justificação enquanto fã para ler tudo o que ele escreve.

O Palácio da Meia Noite faz parte de uma trilogia escrita a pensar nos mais jovens, por isso os livros foram catalogados em “ficção juvenil”. Dos dois que li devo confessar que, tendo apreciado ambos, considero que Marina tem uma história mais refinada e uma mensagem mais forte, que esta que hoje apresento. Porém, ninguém com bom senso pode desmerecer por completo este livro, isto porque O Palácio da Meia Noite foi um dos primeiros romances que o jornalista espanhol escreveu no início da sua carreira, depois do Príncipe da Neblina (de 1993), que venceu o Prémio Edebé.

Logo no prólogo [escrito em Junho de 2006] temos a mensagem vívida do autor, que nos diz que era bastante mais novo na altura em que escreveu este livro e, por isso, o poderia ter alterado de modo a encobrir alguns dos seus erros que agora encontra, mas não o quis fazer: “Pareceu-me mais honesto deixá-lo tal como o escrevi, com os recursos e a tarimba daquele tempo”. A humildade é bonita e é bom vê-la num autor com este tipo de reconhecimento a nível mundial.

Este livro passa-se em Calcutá, na Índia, no ano de 1932. Talvez este cenário distante e inesperado seja o que mais mística traz ao romance. A história é aparentemente simples mas verdadeiramente mais complexa: um jovem orfão, cuja mãe  e pai morrem enquanto é bebé, é deixado numa instituição onde aprende a viver e forma um grupo de amigos para a vida, uma verdadeira irmandade a que chamam Chowbar Society. Esta sociedade secreta encontra-se todas as noites no palácio da meia noite e tem duas missões: “A primeira, garantir a cada um dos seus sete membros a ajuda, a protecção e o apoio incondicional dos outros em qualquer circunstância, perigo ou adversidade. A segunda, partilhar os conhecimentos que cada um ia adquirindo e colocá-los à disposição dos outros…”. Ben é este jovem órfão deixado pela avó (Aryami Bosé) no St. Patricks ao cuidado do senhor Thomas Carter, porém, quem nos narra a história é Ian, o seu melhor amigo, que um dia seria médico.

Além deles, temos outros personagens fundamentais e bem descritos no início do romance: Isobel (um dos melhores cérebros do grupo e também aspirante a actriz), Roshan (o melhor corredor do grupo), Siraj (o asmático com memória enciclopédica, especialmente para histórias tenebrosas), Michael (o desenhador melancólico) e Seth (rapaz de poucas palavras e poucos sorrisos, devorador de clássicos e apaixonado por astronomia). Juntos vão escrutinar o passado da cidade e do passado do pai de Ben e Sheere, os irmãos que se reencontram nesta instituição, 16 anos depois da separação. Esta separação foi necessária para preservar ambos vivos, como compreendemos nos primeiros capítulos do livro. Remexer no passado é doloroso e abre feridas que ninguém esperaria encontrar…

«A procura no passado revelara-nos uma cruel lição e desvelara-nos a vida como um livro onde era preferível não voltar a páginas anteriores; um caminho onde, não importava a direcção que tomássemos, nunca poderíamos escolher o nosso próprio destino.»

O foco deste livro é a história de Ben, o líder deste grupo, uma criança de carácter e personalidade fortes, apesar de assombrado pelo fantasma de um espectro do seu passado, que o procura durante 16 anos pela Índia, a ele e à sua irmã gémea (Sheere). A narrativa vai-se revelando, pouco a pouco, e o destino das personagens vai ficando retraído e instável, como que dentro de um mecanismo de paredes mortíferas que encolhem e nos ameaçam esmagar. Sonhos premonitórios revelam a Ben que há muitos anos um comboio em chamas atravessa a cidade e mata muita gente, incluindo o seu pai. Esse comboio tem um dono, o seu dono é apelidado de “espectro”, uma espécie de demónio, pois não pode ser considerado humano – Jawahal –  que “vive” no limbo, entre a vida e a morte, com uma missão única: pôr termo à vida destes dois irmãos.

Mas há mais complexidade por detrás desta ideia fantasmagórica, o destino destes jovens está lançado. Apenas se tem uns aos outros e juntos poderão evitar uma desgraça ainda pior se unirem os seus talentos. Será que conseguirão derrotar as chamas que teimam em arder por toda a Calcutá e escapar à morte sedenta que os persegue?  Quem é verdadeiramente Jawahal e como poderão eles derrotar este ser de alma perdida?

Zafón compôs este puzzle de modo a deixar o leitor em estado constante de alerta e vício por virar mais uma página, como já nos habituou noutros romances. A leitura não desilude e as suas palavras, seja qual for o desfecho dos seus livros, confortam-nos sempre como uma pancadinha nas costas.

*Artigo redigido, por opção da autora, ao abrigo do acordo ortográfico de 1945

 

O Palácio da Meia-noite

7,5/10

Ficha Técnica:

Título original: El Palacio de la Medianoche

Autor: Carlos Ruiz Zafón

Tradução: Maria do Carmo Abreu

Género: Ficção Juvenil

Editora: Planeta

Imagem de destaque: site oficial do autor