Até há umas semanas atrás era indubitável dizer-se que James Blake era mais senhor em EP’s do que em longa-durações, pelo menos a analisar pelo seu primeiro LP de estúdio, de título homónimo, lançado há cerca de dois anos atrás. Desde essa altura começou-se a lançar a dúvida: “Será que James Blake nunca irá fazer cumprir a promessa que fez com os seus primeiros EP’s?”. Esta questão talvez fosse mais adequada àqueles que estavam sincronizados com a obra do londrino, e que foram acompanhando todos os seus registos, principalmente aqueles que foram feitos durante o ano de 2010. Vivíamos nessa incerteza até agora, inícios do mês de Abril. A resposta chegou. Finalmente. Overgrown, segundo álbum de estúdio do prodígio britânico, não podia albergar consigo uma resposta mais concisa e surpreendente do que aquela que alberga: a promessa cumpriu-se. Mas não só.
Não se pode falar deste Overgrown sem antes fazer um pequeno apanhado pela discografia de James Blake: embora quase todos os EP’s estejam qualitativamente equilibrados, apenas com excpeção para Enough Thunder (que está menos bom que os restantes), urge dizer que foi com CYMK EP que James Blake começou a conquistar o público e crítica. Foi aí que as gentes mais atentas ao movimento do UK Garage e ao dubstep mais se começaram a aperceber que estava ali um caso sério, apenas à espera de um LP para ver a sua consagração. Consagração, essa, que não aconteceu com o James Blake, de 2011. As razões? Esperava-se mais, muito mais, e não fossem quatro músicas mais a monumental (e maior obra-prima do disco) I Never Learnt To Share a salvá-lo/torná-lo “apenas” bom, que este disco passaria ao lado. Mas não passou, apenas adiou aquilo que se esperava ver ali cumprido; porém, Blake foi sempre mantendo o seu perfil característico: um prodígio da electrónica contemporânea, bem orientado pelos dogmas do dubstep e com uma voz belíssima, a chamar pela soul.
Overgrown mantém tudo isso e não se esquiva do conceito que James Blake impingiu em cada um dos seus anteriores registos: os efeitos rítmicos mantêm-se; o snare/clap à terceira batida é usual, tal como manda a lei. O esquema acelerações + desacelerações + vazio sonoro + acelerações também por aqui habita usualmente, tal como a beleza vocal que tanto invoca a soul a que James Blake nos foi aclimando. Quanto a tudo isso, ao esquema rítmico e ao esqueleto sonoro, poucas novidades. Porém, aqui tudo soa mais harmonioso e conexo; e, acima de tudo, tudo se sincroniza de uma maneira irremediavelmente mais bela do que em qualquer um dos seus passados registos. Não existem canções falhadas nem canções medianas. Não existem tiros no escuro. É óbvio que Overgrown tem momentos mais belos que outros, mas é injusto dizer-se que uma qualquer canção não é boa, mesmo ao pé de autênticos tesouros como Overgrown, I Am Sold, Voyeur, Life Round Here ou Our Love Comes Back.
A verdade é que a pulcritude deste disco é instantânea; sente-se à primeira edição toda esta panóplia de texturas exímias a que James Blake nos sujeita. Porém, não se pense que James Blake se limitou apenas às suas velhas fórmulas para nos presentear este registo. Se já anteriormente a house começava a ser trabalhada, aqui o trabalho final jamais seria este caso o britânico não se tivesse aventurado por novas linhas sonoras. A sonoridade está mais fervilhante, mais preocupada com hipotéticas pistas de dança banhadas de gente sedenta de gingar toda a noite: Vouyer, uma das maiores obras-primas deste LP, acaba por ser exemplo maior disso. Mas não só. Life Round here ou Digital Lion (onde a ajuda de Brian Eno foi preciosa) também são paroxismos disso mesmo. E jamais se pode falar de Overgrown sem falar do triunfo que este disco se revela em pistas de dança, mesmo que longínquas. E inexistentes. Não existe nada que iniba o nosso pensamento, mas existem coisas que nos compelem a raciocinar de uma determinada maneira; e James Blake desmembra-se pela sua vasta diversidade instrumental e consegue transpor-nos para outros lugares. A dançar e a controlar-nos o pensamento. A gingar como se não houvesse amanhã. E só lhe temos a agradecer por isso.
Pontos maus? Simplesmente não existem. Nem tampouco pontos menos bons. Não há passos em falso, simplesmente correrias pela aventura. Pela aventura que é este Overgrown. Pela nova aventura de James Blake. Uma aventura que faz chocar a beleza instantânea com a beleza que, certamente, perdurará. E que teimará, por certo, em não se esquivar dos nossos ouvidos enquanto por lá não se ecoar e nos garantir que este é o melhor disco de James até à data e que as pistas de dança estão finalmente salvas. Ouçam, ginguem e deliciem-se, por favor (que ainda existe uma malhão de todo o tamanho na versão de deluxe do disco). Este é um dos discos do ano.
Nota final: 9.3/10
*Este artigo foi redigido, por opção do autor, ao abrigo do acordo ortográfico de 1945