A Biblioteca Nacional de Portugal convida a conhecer, até 30 de Abril, a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, mas também a escritora de histórias infantis, a mulher política, a mãe, a mulher.
Ainda antes da entrada na exposição, a percepção daquilo que as crianças pensam da Sophia, em trabalhos de escola com mensagens para a escritora. Confrontados com as suas histórias infantis, os pequenos não lhe conhecem a poesia ou as lutas políticas, mas apenas o seu lado ingénuo e alegórico, e é sobre ele que deixam as suas impressões.
Mais que as mensagens ali expostas, o que mais fala sobre Sophia, naquela mesa à entrada, é o facto de sabermos que guardou os trabalhos que lhe foram oferecidos. Não os esqueceu algures, conservou-os com cuidado, assim como fez com todas as cartas, fotografias, rascunhos, primeiras edições, folhas soltas que encontramos na exposição: todos importantes pedaços do seu espólio e que contam a sua vida, agora na Biblioteca Nacional.
Ao início há, na parede, frases que encerram uma visualidade, de certa forma, eterna. Visualidades de memórias que Sophia diz suas, mas anteriores ao seu próprio nascimento. Um excerto que, mais tarde, encontraremos nas suas anotações e que nos dá a imagem visual da poesia para a autora. A sua poesia assume-se como a escrita lírica do que é visível e visto, a escrita da realidade palpável pelos olhos.
Com o mote do que já em si existia, mesmo antes de Sophia ganhar forma, surgem os objectos sobre o seu nascimento e infância, adolescência e, ainda, nesta primeira parte da exposição, o primeiro livro, namoro e casamento com Francisco Sousa Tavares. Ler as suas cartas parece ser invasão da sua privacidade, mas é a melhor forma de conhecer de perto a poetisa, nesta fase ainda criança, e de conhecer ainda a expectativa da família em relação a ela. Percebe-se a relação fraternal com o avô, Thomaz de Mello Breyner, a quem escreve cartas e envia fotografias desde pequenina; acompanha-se a infância com a família no Porto, presencia-se o corte do cordão umbilical com a separação da família em virtude da mudança para Lisboa, percepciona-se a emoção da mãe ao ler o primeiro livro de poesia da filha.
Tudo isto exposto numa ordem cronológica que ganha muito com o tipo de legendagem escolhida. Nada que explique demasiado aquilo a que se assiste. Ao espectador é permitido construir livremente a sua própria ideia da poetisa, simplesmente invadindo os seus pertences, o que requer, apesar de tudo, tempo e disponibilidade.
A cronologia permanece nas outras secções da exposição, com pontuais e pertinentes recuos no tempo. A situação de preso político do marido, antes do 25 de Abril de 1974, leva-nos a esse tempo doloroso para Sophia, através da correspondência que mantinham, e transporta-nos à sua facção politicamente viva. De forma tão actual, está escrito na parede um apelo à “impaciência pacífica”, como chamou a escritora à agitação das ideias e dos ideais, que diz indispensável à alteração das conjunturas.
Sophia fica associada aos intelectuais da época. Poetas, fotógrafos, pintores, escritores e políticos privaram consigo, dirigiram-lhe obras que reafirmam as suas qualidades pessoais e artísticas e que a vinculam aos ideais da revolução de Abril. Ainda após o período conturbado que se seguiu à mudança para o regime democrático, a sua presença junto dos grandes nomes nacionais e internacionais é assinalada com escritos e fotografias.
O lado privado que há em Sophia, a mulher, esposa e mãe, é de novo retomado, numa idade mais tardia, na última fase da exposição. O visitante retoma a consciência de que a mulher que se move e faz parte de esferas culturais e politicas é também, afinal, uma mulher de dia-a-dia familiar – uma mulher que, surpreendentemente, como qualquer outra, dança.
Os filhos, os netos, os jantares em família e amigos sucedem-se como recordações de importância equivalente às obras que, enquanto autora, produziu, e que acabaram por mudar a forma de fazer e ver a poesia em português. Sucedem-se ainda as impressões de artistas e fotógrafos sobre a sua pessoa que, por ordem cronológica, oferecem uma imagem de Sophia.
No final, um feliz regresso à Sophia de Mello Breyner ligada aos contos e histórias infantis, uma confissão de como tudo começou com as doenças dos filhos e de como chegou a clássicos de milhares de infâncias como Menina do Mar, Fada Oriana ou O Rapaz de Bronze.
Nesta mostra, as coisas importantes são vistas e processadas interiormente. Não necessitam de ser explanadas. As legendas não estão a mais e não dizem demais, repito. O que se expõe serve e basta para construir e perceber a vida da poetisa.
Aliás, Sophia de Mello Breyner parece ter guardado tudo que o é necessário para contar a sua vida do início, omitindo o fim, a sua morte, não referenciada na exposição. Terá, de qualquer forma, a morte importância perante tal vida?